Os sistemas atuais de produção de alimentos – baseado na monocultura extensiva e uso contínuo de agrotóxicos e água – estão entre os principais responsáveis pelas mudanças climáticas e pela perda de biodiversidade terrestre, respondendo por um terço das emissões de gases do efeito estufa e por 70% do uso de água doce. Ao mesmo tempo, esse mesmo sistema é altamente vulnerável a eventos climáticos extremos provocados por essas alterações no clima.
Secas, ondas de calor e inundações são responsáveis por perdas de lavouras, aumento no preço dos alimentos e problemas na cadeia de suprimento.
Outro risco surgido com as mudanças climáticas é a redução da disponibilidade de alguns nutrientes importantes para a dieta humana, como ferro, zinco e até mesmo proteínas.
Estudos realizados por três pesquisadores da Universidade de Harvard, em 2017 e 2018, estimaram que o aumento das emissões de dióxido de carbono podem provocar reduções de 3% a 17% desses nutrientes em itens de alimentação básica. O resultado disso seriam, até 2050, 175 milhões de casos adicionais de deficiência de zinco e 122 milhões de pessoas com deficiência proteica. Estima-se também um aumento do risco de deficiência de ferro para 1,4 bilhão de mulheres e crianças.
As mudanças climáticas são um dos temas discutidos por representantes de governos e especialistas reunidos na cúpula Nutrition for Growth (N4G), ou seja, Nutrição para o Crescimento, que ocorre até essa sexta-feira (28), em Paris.
Para Arlène Alpha, especialista do Cirad, órgão francês de pesquisa agronômica, o principal modelo de produção de alimentos hoje, baseado em grandes campos abertos de monoculturas, com processos padronizados e uso intensivo de agrotóxicos e de água, está fadado ao fracasso.
“Esse sistema de produção foi, na verdade, capaz de fornecer comida barata, mas o problema é o custo oculto disso. Os custos são muitos na nutrição e na saúde, mas também no meio ambiente, na perda de biodiversidade e nas mudanças climáticas”, explica a especialista.
Segundo ela, não há uma fórmula mágica para resolver o problema, mas há sistemas alternativos que têm bem menos impactos na saúde humana e no meio ambiente, e eles devem ser incentivados. Exemplos são técnicas de agroecologia e o uso de uma abordagem territorial, com o aproveitamento de recursos locais e conhecimentos indígenas.
“A agroecologia é uma alternativa ao sistema industrializado de produção de alimentos. Ela é baseada em práticas econômicas que são serviços ecológicos, mas não é só isso. É também sobre o empoderamento das mulheres, é sobre dar autonomia aos produtores acerca das sementes e ao direito de não usar produtos químicos. É também sobre conectar produtores e consumidores”, afirma Arlène.
A primeira-dama do Brasil, Janja Lula da Silva, que participa da N4G, disse que o agronegócio, um setor forte no Brasil, tem sua importância, mas que é preciso também olhar para o seu impacto nas mudanças climáticas.
“O mundo em que vivemos não vai mais suportar o modelo de grande produção de alimentos, por isso, o investimento nos médios e pequenos agricultores familiares, talvez, seja a forma mais sustentável de enfrentarmos as mudanças climáticas. O grande produtor continua a ter importância, mas eles também precisam entender que o comprometimento com o meio ambiente é importante”.