(da Redação)
Mesmo na Índia, conhecida por ser o único país do mundo onde a vaca é reverenciada, é a primeira vez que um Ministério é criado apenas para proteger esses animais. Tendo sido anunciado em janeiro deste ano e começando a atuar, parece uma boa notícia, mas a informação deve ser vista com cautela. As informações são do India Real Time, do Iskcon News e da One Green Planet.
O caráter sagrado atribuído às vacas na Índia é um dos princípios da sua religião predominante, o Hinduísmo. Os hindus, em geral, não comem carne de vaca em reverência ao animal, que tem sido associado a várias divindades, incluindo Krishna, frequentemente retratado em imagens rodeado por vacas. Por conta disso, em grandes cidades como a capital Nova Delhi, a população de milhões de pessoas compartilha o espaço com as vacas.
Apesar desses animais serem considerados sagrados no país, isso não significa que recebam tratamento especial. As vacas na Índia vagam pelas ruas e pastam pelo lixo à procura de comida, muitas vezes se machucando ao consumir plásticos e outros detritos.
No entanto, isso não é o pior que enfrentam. Há contrabandistas e ladrões que não consideram sagrados esses animais e roubam-nas para enviá-las a matadouros ilegais.
“Os matadouros ilícitos, segundo os ativistas, são lugares escuros e miseráveis que surgem em bairros pobres e degradados da Índia”, de acordo com reportagem recente do Vocativ. “As vacas que sobrevivem ao golpe do açougueiro são geralmente espancadas com porretes antes que funcionários cortem suas gargantas, deixando-as para morrer em uma piscina de seu próprio sangue”. Alguns animais, dizem os ativistas, são esfolados ainda vivos.
O que explica e reforça essa contradição é o fato da Índia ser o segundo maior exportador de carne de bovinos do mundo, ficando atrás apenas do Brasil, e deverá exportar 1,8 milhões de toneladas de carne em 2014, cerca de 20% do comércio mundial, de acordo com previsões do governo americano.
Conforme reportagem da India Real Time, a maioria dessa carne é de búfalo, animal considerado “menos” sagrado que a vaca na maioria dos estados da Índia, incluindo a capital, onde é permitido matá-los. O comércio de carne de vaca e de búfalo, no entanto, está em forte expansão em áreas urbanas inclusive do país que é, também, um grande consumidor e exportador de leite.
Ministério para proteger as vacas é controverso
Abusar de vacas e matá-las é ilegal na Índia e consta até mesmo na constituição do país (“É dever fundamental de todo cidadão da Índia proteger e melhorar o Meio Ambiente Natural incluindo florestas, lagos, rios e vida selvagem, e ter compaixão por todas as criaturas vivas”), mas não há ainda uma lei nacional contra isso. Alguns estados têm leis de proteção às vacas, impondo uma pena de prisão aos acusados de matá-las ou transportá-las para o matadouro.
Como resultado, a morte de qualquer tipo de bovino, especialmente as vacas, há muito tempo é um tema político que, no passado, gerou tumulto e violência. A proibição da matança de vacas em nível nacional tornou-se um dos principais temas de campanha eleitoral e de disputa entre partidos.
O Partido “The Bharatiya Janata Party” (BJP), por exemplo, tentou introduzir nos estados onde chegou ao poder leis de direitos das vacas. No estado de Karnataka, o partido fez a tentativa de aprovar uma lei proibindo totalmente a matança de vacas e a venda de qualquer tipo de carne bovina. Todavia, não teve sucesso pois não conseguiu apoio presidencial e foi expulso nas eleições em maio do ano passado.
Embora não tivesse havido até então uma grande luta unificada contra o roubo, o contrabando e a morte das vacas, um novo ministério começou a ser criado em janeiro desse ano, supostamente para proteger esses animais.
O Ministério para Proteção das Vacas e da Agricultura (Ministry for Cow Protection and Agriculture) é conduzido pelo Ministro Shyamasundara Das e pretende atuar em âmbito global, visitando o mundo todo para levar a mensagem dita “de proteção às vacas”.
Shyamasundara anunciou que irá dedicar um mês por ano a viagens para outros países para tratar do assunto, sendo que começará pela Europa e, em seguida, visitará um continente diferente a cada ano.
Porém, é importante ressaltar que, mais uma vez e apesar de consideradas sagradas, as vacas continuam sem direitos na Índia – e sem proteção, e a criação desse Ministério não deve ser vista de forma ingênua. A princípio, a triste verdade é que o que parecia positivo para os animais tem interesses sobretudo econômicos.
Com um grande mercado interno consumidor de leite e sendo a maior produtora no mundo, de acordo com reportagem do Iskcon, o Ministro trabalha para assegurar a manutenção e o protecionismo desse comércio, sendo esse o objetivo oculto na criação do Ministério que iria trazer proteção às vacas e perpetuando assim a exploração desses animais no país que diz sacralizá-las.