São cerca de mil os animais que passam, anualmente, pelo canil municipal de Leiria e apenas 200 acabam por ser adotados. O veterinário municipal admite que a adoção é uma boa via de escoamento, mas adverte que o animal não é um brinquedo
Pedro Nogueira é o veterinário municipal, responsável pelo canil da câmara de Leiria, na Guimarota. Diariamente, ao longo dos 14 anos que ali trabalha, lida com esta realidade que a muitos pode chocar, mas que para o veterinário é já uma rotina.
De acordo com as suas contas já lhe passaram pelas mãos cerca de 14 mil animais, a maior parte deles com um destino pouco feliz. Só uma pequena parte dos que são recolhidos ou entregues no canil acabam por ser adotados e os que não têm essa sorte são abatidos.
O canil municipal de Leiria sofreu algumas alterações ao longo dos anos e tem, atualmente, as condições básicas necessárias para dar “resposta aos animais abandonados que existam na via pública”, tal como manda a lei. “O espaço já sofreu muitas obras de remodelação desde que aqui estou. Quando vim para cá tinha quatro celas pequeninas e, neste momento, tem mais onze. Numa primeira fase tínhamos quatro, numa segunda fizeram-se mais quatro e, recentemente, numa terceira fase, fizeram-se sete”, explica o Pedro Nogueira.
Fatores como a falta de meios, de pessoal, de colaboração dos munícipes ou mesmo falta de espaço, apesar dos sucessivos alargamentos, são apenas alguns exemplos das dificuldades que se enfrentam diariamente neste canil. “Agora temos 15 celas, mas se colocarmos cem acaba por não chegar, e mil também não, porque isto nunca mais tem fim”, confessa o veterinário.
Os números são impressionantes. Anualmente, passam pelo canil entre 1.000 e 1.200 animais, especialmente cães. Os gatos são, nas palavras do veterinário, “uma realidade completamente diferente”, representando uma taxa de adoção superior a 90%.
Desses mil, cerca de 600 são abatidos e dos 400 que restam, apenas 200 acabam por ser adoptados. Os outros 200, apesar de saudáveis são, igualmente, abatidos, por falta de espaço.
Apesar de dura, esta é a realidade com a qual o veterinário tem de lidar diariamente já com o distanciamento inerente a anos de atividade. “Já são 14 anos de atividade e passaram-me muitos cães pela mão. No início custou-me um bocado, até porque vim do mundo das clínicas, onde se arranjava, tratava e curava. Aqui é exatamente o outro lado da moeda”, diz Pedro Nogueira.
“As pessoas abandonam os cães a toda a hora e a todo o momento”
O funcionamento do canil acaba por ser simples. Os animais abandonados recolhidos nas vias públicas ou entregues pelos próprios tutores nas instalações são sujeitos a um exame geral e depois classificados como ‘adotáveis’ ou ‘não adotáveis’. “Se é ‘adotável’ à partida é porque não tem doenças e vai ficando. Se for ‘não adotável’ é porque sofre de alguma doença ou é velho”, explica Pedro Nogueira. “Acabamos de recolher uns cães que estão cheios de sarna. Os cães ficam aqui, mas não vão para adoção, vão para abater”, exemplifica, ainda.
O tratamento da sarna existe, de fato, mas é “complicado e caro”, o que ultrapassa os recursos do canil. “Por isso é que muita gente que tem os cães com sarna vai à clínica uma vez, vai à segunda e à terceira, mas á quarta já não mete lá os pés e vem aqui para abater o animal, porque não está para gastar 30 ou 50 euros cada vez que vai à clínica mais as despesas dos produtos”.
O abandono é, também, frequente. De acordo com o veterinário chegam a ser mais os animais abandonados ou entregues pelos tutores no canil, do que os recolhidos nas ruas. “Eu diria que, por mês, recolhemos cerca de 20 a 40 animais e são entregues pelos tutores cerca de 60 a 80.” Os motivos são vários na perspectiva do veterinário. “São cães velhos em fim de vida, com tumores ou cegos. Um deles, por exemplo, foi submetido a uma cirurgia e ganhou uma hérnia que infectou e o tutor veio cá para abater o cão. O que posso dizer é que se, por ano tenho aqui 600 ou 700 cães entregues pelos donos, 70% são cães que eu considero não adoptáveis. Depois há aqueles que vêm entregar animais perfeitamente saudáveis porque simplesmente não os querem, ou porque estão fartos deles, ou já têm muitos.”
Não há tendências sazonais, conta ainda o responsável pelo canil municipal, e os números são quase constantes ao longo do ano. “As pessoas abandonam os cães a toda a hora e a todo o momento”.
A solução para o combate ao abandono e para o controle da procriação, na opinião de Pedro Nogueira, passa pela responsabilização dos tutores, mediante a aplicação de coimas, e o fomento das castrações, pela aplicação de preços mais acessíveis.
“Todos querem cães de raça”
A oferta é bastante superior à procura e, por isso, há sempre excedentes. Ainda assim, a adoção tem vindo a ser uma boa via de escoamento. “Vem aqui muita gente para adotar. Diariamente vem sempre aqui alguém. Uns para ver, outros apenas sondar. E a maior parte quer cães de raça”, diz o veterinário.
As características mais apreciadas por quem se dirige ao canil para adotar um animal prendem-se essencialmente com a sua aparência física. O veterinário faz uma distinção. “Todos querem raça. Mas como a maior parte das vezes não há raça, eu dividiria as pessoas em dois grupos completamente distintos. São os que querem cães pequenos, que não cresçam muito para ter em apartamentos ou quintais pequenos e depois há aquele grupo de pessoas que querem cães grandes para guarda. Há dois tipos de procura – os muito pequenos e os muito grandes”, explica. Cachorros jovens e machos são, igualmente, a preferência, em detrimento das fêmeas.
Estando na altura do Natal, a adoção é uma boa opção para fazer as delícias dos mais pequenos. No entanto, Pedro Nogueira não deixa de manifestar o seu receio e deixar um apelo. “Pensem que o cão não é um boneco. Antes de adotarem um cão pensem que ele vai dar despesa. É um bicho que vai estar 24horas por dia à sua responsabilidade. Não é uma coisa que se tire a pilha. O animal está vivo e precisa de atenção, de dar uma volta, de cuidados médicos, de alimentação e dá despesa. Não comprem ou venham adotar animais como se fossem comprar um boneco de peluche. O boneco de peluche pode ser enfiado no armário quando nos fartamos dele, o cão não.”
O canil municipal está aberto ao público, às terças-feiras, não só para quem pretenda adotar um animal de estimação, como para os interessados em vacinar o seu animal e aplicar-lhe o chip eletrônico de identificação.
Campanha de adoção na Aldeia de Natal
A Aldeia de Natal de Leiria acolhe uma ação de rua no âmbito da campanha de adopção de cachorrinhos e cães adultos do Canil Municipal, no sábado e domingo. A iniciativa decorrerá entre as 15h e as 18h.
A campanha de adoção é relativa a animais de diferentes tamanhos e idades, nomeadamente cachorros, que se encontram no Canil Municipal de Leiria, na Guimarota, pelo que a câmara propõe aos leirienses que ofereçam uma prenda de natal diferente, proporcionando aos animais que se encontram no canil a possibilidade de encontrarem um lar que os receba e onde possam ter o merecido conforto e carinho.
As adoções efetuam-se à terça-feira de manhã, ou mediante marcação, em qualquer outro dia útil da semana. Para obter mais informações acerca da adoção desses ‘amigos’, os interessados deverão contactar o Canil Municipal, através de telefone (244 839 651).
Fonte: Diário de Leiria