Por Walkyria Rocha (da Redação)
É provavelmente seguro dizer que ninguém deseja que seus filhos sejam devorados por lobos. Para assegurar que isso não aconteça a suas crianças, os moradores da vila da Reserva, Novo México, tomaram uma precaução extra (e indiscutivelmente desnecessária) colocando “gaiolas para crianças” nos pontos de ônibus escolares para proteger seus filhos de algum ataque iminente de lobos cinzentos, uma espécie ameaçada mexicana, que foi reintroduzida naquela região. As informações são do Care2.
As gaiolas foram construídas anos atrás por uma escola do distrito local, e que tiveram destaque recentemente no filme “Lobos em peles do governo”. O filme foi criado por David Spady, que é, entre outras coisas, o diretor da organização californiana “Americanos pela Prosperidade”, um grupo conservador, que tem como co-fundador o abominável David Koch (empresário do ramo de óleo e gás que contribue para a mudança climática e que financia organizações que desmentem essa teoria).
Ambientalistas e defensores dos lobos acreditam que as gaiolas são apenas mais uma propaganda contra os lobos e que pretende apenas incutir medo e perpetuar ideias equivocadas a respeito desses animais.
Daniel MacNulty, professor de ecologia da vida selvagem em na Universidade do Estado de Utah que estuda os lobos há 18 anos, disse à National Geographic que a ideia de que os lobos atacariam crianças nos pontos de ônibus vai “favorecer o medo e destorcer os fatos”, acrescentando que é mais provável que as crianças sejam feridas ou mortas “em um acidente por um veículo off-road, em um encontro com um cão feroz, ou em um acidente de caça”.
“Acho que essas ‘gaiolas para crianças’ são um golpe publicitário destinado a atiçar a oposição em relação a recuperação do lobo mexicano em geral, e para o governo federal, em particular. Por que outra razão o grupo anti-federalista norte-americanos pela Prosperidade estaria fazendo circular fotos e vídeos das gaiolas? É necessário se manter cético a respeito de qualquer informação relacionada aos lobos proveniente desta organização ou de seus agentes.
Maggie Dwire, coordenador da recuperação do lobo mexicano para o Serviço de Pesca e Vida selvagem dos Estados Unidos (FWS) disse ao High Country News que ninguém se queixou sobre lobos incomodando escolares e que se isso tivesse acontecido, uma equipe teria visitado a área para constatar se o animal seria mesmo um lobo e se estaria vigiando crianças. Se algum lobo fosse tido como ameaça à segurança, ele seria sido removido dali.
A propaganda anti-lobo que tem prejudicado os esforços de conservação não é coisa nova. Para os lobos, este tipo de mercadores do medo e da intolerância é exatamente o que os levou aos programas de recompensa, armadilhas, envenenamento, tortura e tiro aéreo que quase os exterminou. Em alguns casos, eles se tornaram o bode expiatório para os grupos anti-governamentais que se opõem à Lei das Espécies Ameaçadas e para os fazendeiros que acreditam que as terras públicas que estão arrendando são sua propriedade privada, onde os lobos não têm o direito de existir.
Em outros casos, eles se tornaram vítimas dos mitos espalhados por grupos pró-caça. Em Utah, Desportistas de Peixes e Vida Selvagem obtiveram sucesso em convencer os políticos a gastar mais de US $ 300.000 do fundo geral do estado para fazer lobby contra lobos que nem sequer existem no estado.
O FWS propôs estender a Lei de Proteção às Espécies Ameaçadas aos lobos cinzentos mexicanos no Arizona e Novo México, a qual os ambientalistas esperam que expanda a área que eles estão autorizados a percorrer e proteja-os legalmente.
Sua população é estimada em apenas 75 indivíduos em estado selvagem, que ainda está aquém da meta de 100 que foi criada quando o plano de recuperação foi aprovado em 1982 e os primeiros foram soltos no Arizona, em 1998. Desde então, eles continuaram a enfrentar as ameaças que vão desde a falta de diversidade genética, doenças e desastres naturais a conflitos com gado e seres humanos – dezenas foram baleados e mortos. Tal como está agora, qualquer um dos lobos que deixa a área de recuperação e estabelecem um novo território são capturados e trazidos de volta. Isso não só os impede de estabelecer novos territórios e de se deslocarem entre diferentes populações, mas a captura pode ser traumática e terminar em morte.
Apesar das “gaiolas para crianças” e de toda a propaganda, os moradores ainda parecem amplamente favoráveis aos esforços de recuperação. Uma pesquisa recente descobriu que 87% dos eleitores tanto do Arizona como do Novo México, concordam que os “lobos são uma parte vital da vida selvagem da América e do patrimônio natural”, e também mais de 80% em ambos os estados concordam que “o Serviço dos EUA para Pesca e Vida Selvagem deve fazer todo o possível para ajudar na recuperação dos lobos e evitar a extinção.”
Felizmente, ainda há tempo para falar em nome de lobos. O FWS remarcou audiências públicas que serão realizadas no Colorado, Novo México, Califórnia e Arizona até dezembro e estendeu o período de consulta pública até 17 de dezembro.