O médico peruano Julio Cesar Acosta Navarro concedeu a entrevista que se segue por telefone à IHU On-Line, refletindo sobre de que forma a dieta vegetariana interfere na saúde humana. Navarro explica que “a dieta vegetariana, em comparação com a dieta onívora, possui nutrientes de diferentes valores. É possível que essa diferença, a longo prazo, possa efetivamente, e por meio de diversos mecanismos, influenciar a longevidade e o envelhecimento”. E acrescenta que se a sociedade atual se convertesse em uma sociedade predominantemente ou totalmente vegetariana, isso poderia, a longo prazo, “modificar as questões genética, fisiológica e talvez até anatômica”.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são as bases científicas do vegetarianismo?
Julio Cesar Acosta Navarro – Nós podemos considerar os estudos realizados em diferentes partes do mundo utilizando a metodologia atual científica em populações, sejam pequenas ou maiores, que têm uma alimentação vegetariana. Estes estudos avaliam diversos parâmetros clínicos da saúde destas populações vegetarianas e são comparados com os mesmos parâmetros clínicos de uma população que não é vegetariana, que é onívora, que consome carne regularmente. Esses estudos se intensificaram a partir da década de 1990, e começaram a mostrar resultados muito interessantes nesse aspecto. Foram publicados em revistas científicas médicas, que são indexadas pelos sistemas internacionais, e eu posso considerar que as bases científicas do vegetarianismo se sustentam principalmente nesse ciclo de trabalho. Porque o vegetarianismo é um termo muito mais amplo, que envolve aspectos de índole filosófica, religiosa e, atualmente até, ambiental.
IHU On-Line – Qual a influência da nutrição vegetariana na saúde?
Julio Cesar Acosta Navarro – Com relação ao vegetarianismo e à saúde em geral, baseando-se nas evidências que comentei anteriormente, podemos concluir que a dieta vegetariana, nas suas formas, pode ser dividida em três categorias:
– Dieta lacto-ovo-vegetariana, que inclui todos os vegetais, leite, ovos e derivados;
– Dieta lacto-vegetariana, que não inclui ovos, apenas leite e vegetais;
– Dieta vegana, seguida por pessoas que consomem uma dieta estritamente de vegetais e não consomem nem carne, nem fonte de lácteos, nem ovo.
Estas três categorias de vegetarianos têm sido investigadas e, com relação à saúde em geral, os vegetarianos, quanto mais tempo estão nesta postura, e quanto mais estritos são, têm menos prevalência de doenças crônicas, como doenças coronárias, acidente vascular cerebral, doenças metabólicas, como diabete, osteoporose, doenças neoplásicas, como o câncer de estômago, de mama em mulheres e de próstata nos homens, assim como outras doenças infecciosas de uma longa lista.
É recomendável para as pessoas e para as famílias que praticam uma dieta vegana ter assegurado um suplemento de vitamina B12, seja em alimentos fortificados ou como um suplemento à parte.
IHU On-Line – Qual o papel do vegetarianismo no envelhecimento e no processo evolucionário humano?
Julio Cesar Acosta Navarro – Existem trabalhos e estudos que indicam que, comparando populações que não são vegetarianas com vegetarianas, a taxa de mortalidade é menor no grupo vegetariano, por todas as doenças evitadas, principalmente as doenças cardiovasculares. E, segundo estes estudos, podemos pensar que a dieta vegetariana pode prolongar a expectativa de vida. Entre as duas dietas existem níveis diferentes de gordura saturada, de colesterol, diferença de antioxidantes, vitamina C, E. A dieta vegetariana, em comparação com a dieta onívora, possui nutrientes de diferentes valores. É possível que essa diferença, a longo prazo, possa efetivamente e por meio de diversos mecanismos, influenciar a longevidade e o envelhecimento. A teoria da evolução das espécies, da qual Charles Darwin é o pai, diz que as espécies mais fortes sobreviveriam às demais e que fatores ambientais também contribuíriam para essa evolução. Basicamente foi pensado, nesta teoria darwiniana, que o consumo de carne contribuiu favoravelmente para um maior desenvolvimento cerebral. Esse foi o ponto de vista mais clássico. Só que essa teoria sobre a contribuição da carne não se sustenta. Uma das coisas que se pensava é que depois da descoberta do fogo, uma das aplicações dele foi para que as carnes fossem douradas e assim consumidas. Só que o homem, para chegar a descobrir o fogo, já era homo sapiens, então quer dizer que o homem existia antes do fogo, já que o descobriu. Isto quer dizer que ele já vivia e se alimentava antes de descobrir o fogo, portanto, pensamos que, antes de consumir carne, o homem já consumia outros alimentos e provavelmente era um ser vegetariano ou herbívoro. Este é apenas um dos argumentos. Atualmente, a sociedade humana predominantemente é onívora. Não existe esse dado, mas calculo que em torno de 1% da população humana seja vegetariana, mas estou supondo. A teoria é de que se essa sociedade se convertesse em uma sociedade predominantemente ou totalmente vegetariana, isso poderia, a longo prazo, modificar as questões genética, fisiológica e talvez até anatômica.
IHU On-Line – Na sua tese de doutorado, o senhor defendeu a ideia de que vegetarianos e semivegetarianos estão menos expostos a fatores de risco cardiovascular. Por quê?
Julio Cesar Acosta Navarro – Neste trabalho, em vez de dois grupos de pessoas com estilos de vida diferentes na alimentação, introduzi um terceiro grupo intermediário, que era o grupo semivegetariano. Antes desse trabalho, a maioria dos estudos realizados no exterior, como Estados Unidos, Europa, Ásia, examinava o grupo vegetariano contra o grupo onívoro no contexto dos mesmos parâmetros clínicos. Só que, como isso poderia ter um efeito colateral de considerar uma espécie de dualidade (ou é, ou não é), nós introduzimos um terceiro grupo no meio, na ideia de que este é um grupo presente na sociedade atual. Ou seja, na sociedade atual existe um grande grupo de pessoas que por razões de ordem econômica, social, filosófica, têm simpatia pelo vegetarianismo e querem se aproximar. Às vezes por questão de estética ouviram falar que a carne envelhece, que faz mal, e passam a consumir muito pouca carne. Outras pessoas querem cumprir seus preceitos de ordem religiosa, mas não conseguem ceder à tentação e comem de vez em quando. Estão quase perto de ser vegetarianas. Outras pessoas que, por questões econômicas, em outros países da América Latina que não o Brasil, onde o consumo de carne é caro, porque não têm indústria pecuária, consomem pouca carne. Não é porque não queiram comer, mas porque não têm dinheiro. Então consomem apenas vegetais. Na sociedade atual, o grupo considerado semivegetariano é o de pessoas que consomem de duas a três porções por semana em alguma das suas refeições que tenha algum produto de origem na carne. Tendo em conta a importância desse grupo, um grupo novo, foram investigados fatores de risco de doença cardiovascular em populações que aparentemente não tinham desenvolvido nenhuma doença cardiovascular ou pelo menos não sabiam que tinham doenças cardíacas. Em geral, diferentes fatores de risco cardiovascular foram estatisticamente significativos e mais presentes na população onívora comparado ao grupo semivegetariano, ou seja, o grupo onívoro estava em maior risco que o grupo vegetariano. E o grupo semivegetariano também era diferente do grupo vegetariano, ou seja, o vegetariano estava mais protegido que o semivegetariano que, por sua vez, estava mais protegido que o grupo onívoro. O grupo semivegetariano funcionou como uma ponte, como uma transição entre um e outro grupo.
IHU On-Line – Nesse sentido, qual o valor da dieta vegetariana na prevenção e tratamento dessas doenças?
Julio Cesar Acosta Navarro – Quanto ao efeito terapêutico, existem trabalhos publicados que pesquisaram pacientes com arteriosclerose coronária, ainda que tendo feito cateterismo, além do seu tratamento convencional com medicamentos, que foram tratados com um estilo de vida incluindo a dieta vegetariana, um programa de meditação, relaxamento e atividade física. Este trabalho indica que a dieta vegetariana por si só, assim como acompanhada por outros aspectos do estilo de vida, pode mostrar efeitos notáveis na recuperação de doenças crônicas.
IHU On-Line – Como o vegetarianismo está difundido na América Latina?
Julio Cesar Acosta Navarro – O vegetarianismo não é uma questão recente. Desde a época de Pitágoras , passando por uma série de filósofos, como São Francisco de Assis, Mahatma Gandhi, Leon Tolstoi, várias pessoas foram vegetarianas ou defendiam o vegetarianismo, numa época onde não existiam bases científicas. Defendiam isso porque viam o aspecto social, emocional, espiritual envolvido. Muitos pensadores já falavam do vegetarianismo como o melhor caminho para o coração do homem. Isso poderia beneficiar o relacionamento humano. Vejo isso positivamente no sentido de que pelo menos há um avanço no mundo e também na América Latina, uma vez que as ciências estão preocupadas em estudar o tema de forma aprofundada e, a partir disso, difundir mais o vegetarianismo por meio de práticas. Estou testemunhando que nas últimas décadas o vegetarianismo está sendo mais reconhecido e ainda está ganhando uma dimensão ecológica. Sabe-se que a eliminação dos gases dos animais que são criados para a produção de carne tem uma contribuição importante na contaminação do planeta.
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Nascido em Lima, Peru, Julio Cesar Acosta Navarro visitou o Brasil em 1996 e naturalizou-se brasileiro em 2001. Possui graduação em Medicina Humana pela Universidad Nacional Federico Villarreal, de Lima, Peru; especialização em Cardiologia Clínica pela Universidade Mayor de San Marcos, de Lima; fez subespecialização em Cardiopatias Congênitas no Instituto Dante Pazzanesse de Cardiologia e no Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo; obteve títulos de especialista nas áreas de Cardiologia Clínica pela Sociedade Brasileira de Cardiologia-SBC, Medicina Intensiva pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira-Amib, Nutrologia pela Sociedade Brasileira de Nutrição Clínica-SBNEP, e Clínica Médica pela Sociedade Brasileira de Clínica Médica-SBCM. Tem doutorado em Cardiologia pelo Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. De 2001 a 2007, trabalhou como chefe da Unidade de Terapia Intensiva e Cardiologista Clínica do Serviço de Transplante de Fígado do Hospital das Clínicas de São Paulo. Atualmente, é médico assistente do Setor de Emergências Clínicas do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas.
* Publicado originalmente no site do IHU On-line.
Fonte: Portogente