Por Lilian Regato Garrafa (da Redação)
Conselho de Educação propôs veto por racismo ao livro Caçadas de Pedrinho nas escolas, mas não discutiu a questão da caça aos animais
Uma das obras do escritor Monteiro Lobato tem sido centro de uma polêmica no âmbito educacional brasileiro. Trata-se do livro infantil Caçadas de Pedrinho, publicado em 1933, que já foi distribuído pelo próprio MEC a colégios de ensino fundamental, e agora entrou na mira do Conselho Nacional de Educação.
O parecer publicado no Diário Oficial da União sugeriu que a referida obra não deveria ser distribuída a escolas públicas, sob a alegação de possuir conteúdo racista. Trechos em que a cor, a aparência e os trejeitos da personagem Tia Nastácia são denegridos e ridicularizados pelo autor foram apontados como preconceituosos e possivelmente interfeririam na formação de conceitos e visão de mundo das crianças e na autoestima das afrodescendentes.
O texto foi analisado pelo ministro da Educação, Fernando Haddad, que não aprovou o veto. O livro continuará sendo distribuído nas escolas e terá notas explicativas sobre o contexto histórico em que foi escrito. O ministro alega que Monteiro Lobato é um clássico brasileiro da literatura infantil.
O que causa espanto é o tema principal da obra ter sido completamente ignorado nessa discussão. O enredo da história coloca crianças para caçar. O animal perseguido por Pedrinho e sua turma é uma onça-pintada, espécie que se encontra atualmente em extinção no Brasil. Na caçada da onça, as crianças usam armas improvisadas, que falham na hora de acertar o animal. Elas, então, acabam apelando à ‘inventividade’ para matar e arrastar a onça até o sítio.
Um conteúdo violento, embora tratado de forma pitoresca, merece ser distribuído livremente nas escolas? Bastam apenas notas explicativas, como a que consta em uma das edições, esclarecendo que na época em que o livro fora escrito inexistia um órgão como o Ibama e que a caça é proibida no Brasil?
Com tantos bons livros disponíveis para a educação das crianças, que mostram o respeito a todas as espécies de animais, e não menosprezam raça, etnia, nem reforçam estereótipos, é lamentável que se mantenham nos currículos educacionais obras de conteúdo reacionário, antiético e racista, apenas por se tratar de um autor consagrado.
Não se trata de retirar o livro de circulação, mas de selecionar o que merece ser absorvido no âmbito escolar por pessoas ainda em formação. Não há motivo para perpetuar com tanta naturalidade a discriminação, o especismo e a violência gratuita, nos dias atuais. Entregar um livro desse teor nas mãos de crianças que ainda desconhecem o preconceito e a agressão contra animais é ensiná-las a praticar o que tanto lutamos para banir. Reconhecer erros e abrir a consciência para outras perspectivas fazem parte da evolução humana.