“O grande cúmplice da tirania é o silêncio; não atacar o despotismo é a maneira mais covarde de servi-lo; não denunciá-lo é auxiliá-lo; estar próximo dele sem feri-lo é a maneira mais vil de protegê-lo; e proteger o crime é mil vezes pior que cometê-lo; eis aí a hora em que a palavra é um dever e o silêncio é um crime”, dizia o escritor colombiano Vargas Villa. No entanto, nos acostumamos a ver a submissão dos animais a nosso redor, sem sequer nos darmos o trabalho de levantar as sobrancelhas.
Uma simples ida ao supermercado revela uma faceta escondida, por interesses outros, de como é a relação entre humanos e não-humanos. A grande maioria dos produtos leva algum ingrediente de origem animal, mesmo que essa informação esteja criptografada no rótulo. Da banha de porco no pão sovado à cochonilha na bolacha recheada, passando pelo soro de leite na margarina e caldo de galinha no shoyu, quase tudo precisa de matéria-prima arrancada dos animais, à força. O que não é obrigatório, já que para todos os casos há uma opção livre de crueldade. Se o sabor é o mesmo, qual a diferença entre passar no pão uma margarina totalmente vegetal e uma com soro de leite? Para a vaca leiteira que virou peça dentro de uma engrenagem, faz muita diferença.
Crueldade com animais é crime, exceto se você for um ‘produtor’. Nesse caso, tem apoio do Governo, poder de barganha, usa e abusa do lobby, apóia deputados e senadores, recebe proteção e financiamento, e ainda carrega a aura de ‘promotor do desenvolvimento’. Mas a sociedade ainda vê isso como normal, errado é quem vê como anormal. Se o lucro daquela pessoa vem de engaiolar milhares de galinhas poedeiras – de uma maneira que, fossem cachorros, seria caso de polícia – aí tudo bem, pois é trabalho. Item sagrado na construção do ordenamento social.
Argumento este utilizado pela permanência das carroças aqui em Porto Alegre, praga urbana que costuma chocar até o mais apático cidadão. À custa de muito relho, cavalos esqueléticos e sedentos carregam sob o sol a injustiça social pelas ruas desta capital. Seus condutores não respeitam regras de trânsito, não seguem as normas afixadas para – tentar – aliviar o sofrimento dos cavalos, nem se furtam a colocar menores a trabalhar. Quem levantar crítica a todo esse quadro invariavelmente escuta o mantra “ah, mas estão trabalhando”. Muitas cidades aboliram as carroças e ofereceram oportunidade de inclusão social aos ex-carroceiros, mas essa informação é esquecida. Junto com o remorso.