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PERDA DE HABITAT

Mata Atlântica que resta é pouco adequada para felinos silvestres

Estudo mostrou que menos de um terço dos remanescentes do bioma são habitats apropriados para espécies de felinos silvestres

21 de agosto de 2024
Julia Custódio
6 min. de leitura
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Foto: Bernard DUPONT | Wikimedia Commons

No Brasil existem dez espécies de felinos silvestres. Dessas, seis são classificadas como vulneráveis e uma está em perigo de extinção, segundo a lista oficial de 2022. O principal risco aos felinos tem relação com a perda e fragmentação de seus habitats naturais, além da caça retaliatória, que acontece quando proprietários rurais tem o rebanho atacado. Por isso, compreender quais fatores influenciam a distribuição das espécies de felinos silvestres é essencial para um melhor planejamento de estratégias de conservação na Mata Atlântica. Esse foi o objetivo de um estudo produzido por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, em parceria com a USP e outros institutos. O grupo estudou as subáreas da Mata Atlântica e descobriu que apenas 30% do bioma remanescente é adequado para espécies de felinos, considerando aspectos do clima e da paisagem.

“Nosso objetivo foi modelar a distribuição potencial de sete espécies e prever quais regiões têm maior adequabilidade para a riqueza de felinos. Além disso, avaliamos o quanto dessas áreas adequadas estão sendo protegidas por Unidades de Conservação de Proteção Integral (UCPIs)”, explica Paula Ribeiro-Souza, doutoranda da UFSCar e primeira autora do artigo Under pressure: suitable areas for neotropical cats within an under protected biodiversity hotspot junto ao pesquisador Júlio Haji, da Unesp.

O estudo se baseou no Modelo de Distribuição de Espécies, que ajuda a prever onde uma espécie, como a onça-pintada, pode ser encontrada com base em condições ambientais. Os pesquisadores coletam dados sobre onde essa espécie foi registrada e analisam características como tipo de vegetação e clima desses locais. Com essas informações, criam um modelo que mostra possíveis áreas de habitat no mapa.

Foram selecionadas sete espécies de felinos da Mata Atlântica para a modelagem: dois grandes felinos, onça-pintada e onça-parda, e as demais de porte pequeno, jaguarundi, jaguatirica, gato-maracajá, gato-do-mato-pequeno e gato-do-mato-do-leste. Segundo a pesquisadora, esses mamíferos carnívoros são essenciais para a manutenção do ecossistema da Mata Atlântica.

Para gerar os modelos das áreas potenciais de distribuição, os pesquisadores utilizaram mais de 5 mil registros de ocorrência das espécies (com coordenadas geográficas) datadas a partir dos anos 2000. Eles também utilizaram variáveis de clima e de paisagem (cobertura florestal, densidade humana, quantidade de água e rugosidade do terreno), com base em análises estatísticas e na ecologia das espécies.

“Assim, extraímos as informações do clima e da paisagem de onde o animal foi registrado e, a partir de algoritmos matemáticos, são projetadas no espaço (mapas) regiões que têm características parecidas. Ou seja, regiões onde a espécie estudada tem potencial de distribuição”, diz Paula.

Para prever áreas com adequabilidade climática e de paisagem para cada espécie e para a riqueza de felinos, foi realizada a análise EcoLand. Segundo Paula, essa forma de modelagem, considerando o clima e a paisagem separadamente, foi adotada para determinar quais medidas de mitigação e conservação dos felinos podem ser tomadas em cada região. A partir do cruzamento dos dados, foi possível identificar as áreas adequadas apenas para clima, adequadas apenas para paisagem e áreas adequadas para clima e paisagem (chamadas de altamente adequadas).

Os pesquisadores observaram que apenas 30% das áreas que restam da Mata Atlântica são altamente adequadas para as espécies de felinos estudadas. O gato-do-mato-do-leste apresentou a menor porcentagem de áreas altamente adequadas cobertas por UCPIs (1,37%), seguido pela onça-pintada (1,97%) e a Jaguatirica (3,85%).

Dentre as sub-regiões da Mata Atlântica, a Serra do Mar (do litoral do Espírito Santo até o Rio Grande do Sul) apresentou a maior concentração de áreas altamente adequadas para a riqueza de felinos. A sub-região Araucária, que inclui o Parque Nacional Iguaçu, ficou em segundo lugar.

Ainda, o estudo apontou que apenas 9% das áreas altamente adequadas estão sob proteção de unidades de conservação. Esses resultados reforçam a prioridade de conservação da Serra do Mar, assim como na fronteira entre Brasil e Argentina.

“Os felinos permeiam e precisam de habitats foras das unidades de conservação. Para que estas espécies coexistam com o homem, a conservação das áreas que possuem adequabilidade de habitat precisa ser pensada também nas áreas não protegidas, já que os agroecossistemas que compõem as paisagens da Mata Atlântica também têm papel-chave para a conectividade e manutenção das populações de felinos selvagens que ainda existem”, diz Júlia Emi de Faria Oshima, pesquisadora do Instituto de Biociências (IB) da USP que contribuiu com a pesquisa.

A pesquisa analisou variações baseadas apenas em dados de presença das espécies, mas é um primeiro passo importante para entender os habitats dos felinos e planejar medidas de conservação adequadas para diferentes contextos regionais. “Conseguimos mostrar áreas importantes considerando clima e paisagem, assim, é possível direcionar medidas de conservação, reduzindo o tempo investido e também os gastos, uma vez que se sabe as áreas prioritárias de conservação”, diz Paula Ribeiro-Souza.

Apesar de apresentarem apenas um dos critérios potenciais de distribuição, as áreas consideradas adequadas para clima ou para paisagem têm muita relevância para as espécies estudadas, considerando as mudanças promovidas por medidas de conservação. Por exemplo, uma área com paisagem adequada atualmente, devido às mudanças climáticas, pode se tornar uma área altamente adequada. O contrário também é válido. Por isso, é essencial que essas áreas sejam protegidas e tenham investimento na sua monitoração.

Além disso, as pesquisadoras chamam atenção para o fato de que muitas vezes pode haver grandes distâncias separando áreas consideradas adequadas. Isso pode impedir a dispersão das espécies entre os ambientes e dificultar o fluxo gênico entre elas. A conectividade entre essas áreas promovida com técnicas de restauração e criação de corredores ecológicos poderia ser mais uma medida de conservação importante para os felinos.

Fonte: Jornal da USP

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