No Nordeste brasileiro, os jumentos estão sendo mortos para atender à demanda de um produto chamado ejiao, extraído do colágeno de sua pele. Entidades estão unidas para salvar a espécie da extinção.
Especialistas chamam atenção para o declínio da população de jumentos no Brasil. Em 2011, essa população era de 974.688 animais, segundo o IBGE. Em 2017, os números caíram para 376.874, evidenciando uma queda de 38% em seis anos. Já segundo dados do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), entre 2015 e 2019, o país abateu 91,6 mil animais da espécie.
Ainda de acordo com dados oficiais do Mapa, apenas em matadouros sob o Serviço de Inspeção Federal no estado da Bahia 78.964 jumentos foram mortos entre fevereiro de 2021 e junho de 2022. Os números não abrangem as mortes que ocorrem durante o transporte nem aquelas causadas por doenças, que somam em torno de 20% adicionais aos dados de abate. Em 2018, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado da Bahia previu que os jumentos seriam extintos em até quatro anos.
Busca pelo ejiao
O ejiao é uma espécie de gelatina de couro de jumento, que, segundo a medicina tradicional chinesa, possui propriedades medicinais que auxiliam na circulação sanguínea, no tratamento de anemia e no tratamento de doenças reprodutivas. Porém, não há comprovação científica, como alerta a bióloga e representante da The Donkey Sanctuary na América Latina, Patricia Tatemoto.
“As evidências científicas não são robustas sobre a eficácia deste produto. No mundo todo seriam necessárias 4.8 milhões de peles de jumentos por ano para abastecer esta demanda. Então é impraticável. E a produção regulamentada em fazendas é custo-proibitiva, por isso a atividade ocorre de modo extrativista”, afirma Patricia.
O comércio internacional do ejiao é lucrativo para um seleto grupo de empresários. Uma reportagem da BBC buscou estudos internacionais sobre o mercado de ejiao e concluiu que a pele de um único de animal é vendida na China por valores entre US$ 2 mil e US$ 4 mil.
Mercado cruel
Trata-se de um setor sem regulamentação, que implica um modus operandi de captura ou compra, transporte irregular, confinamento e abate dos jumentos para a exportação de seu couro.
“A morte desses animais é cruel e absurda. É um crime que irá extinguir os jumentos. Eles sofrem durante o transporte, além de serem acondicionados em locais com pouca água e comida. Estimamos que 20% morram pelos maus-tratos a caminho dos matadouros”, alerta a advogada e coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, Gislane Junqueira Brandão.
Outro ponto refere-se à biossegurança. “O mormo, por exemplo, zoonose que acomete equídeos, possui letalidade de 95% para humanos e foi identificada em jumentos envolvidos na prática devido à ausência de rastreabilidade dos animais capturados”, salienta a entidade em defesa da espécie.
Reações em defesa dos jumentos
No último domingo (25/09), manifestações ocorreram em diversas capitais brasileiras em prol dos animais. Foi a quarta manifestação nacional convocada por instituições que buscam o cumprimento de uma liminar que proíbe a prática de abate de jumentos no país. A decisão favorável foi alcançada pela Frente Nacional de Defesa dos Jumentos, mas está sendo descumprida pelos matadouros, segundo a entidade.
A Frente Nacional de Defesa dos Jumentos é composta por instituições como Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal, Princípio Animal, União Defensora dos Animais (Bicho Feliz), Rede de Mobilização Pela Causa Animal – REMCA, entre outras. A Frente Nacional e a The Donkey Sanctuary conseguiram a realização de audiências públicas no Congresso Nacional em 2019 e na Assembleia Legislativa da Bahia em 2021.
“Mesmo tendo uma decisão quase que por unanimidade no Tribunal de Justiça da Bahia, eles não a cumprem. Anos atrás, ficamos como tutores de centenas desses animais e verificamos a baixa qualidade sanitária deles, com muitas doenças”, aponta a médica veterinária e diretora técnica do Fórum Animal, Vania Plaza Nunes. Segundo ela, problemas graves de desenvolvimento, desnutrição e zoonoses, que oferecem riscos aos seres humanos, foram constatados. “Os animais que estão indo para o abate vieram de grande sofrimento, privação alimentar e abandono”.
Os jumentos são animais resilientes que ilustram as obras de artistas brasileiros como Luiz Gonzaga, Chico Buarque e Cândido Portinari, que já reconheceram estes animais em suas obras como pertencentes ao patrimônio cultural imaterial nacional.
Fonte: Ciclo Vivo