Ao contrário do que ocorre com os animais silvestres nas estradas brasileiras, cujo progresso acabou por invadir seu habitat tornando-os vítimas de atropelamento quando apenas estão seguindo seu curso natural, em Minas Gerais, por outro lado, a população tem enfrentado um pesadelo em suas estradas interestaduais, como a MG-424 e MG-10, com acidentes graves envolvendo espécies que são domesticados e explorados pelo homem como equídeos, bois e vacas, por completa irresponsabilidade e negligência de seus tutores que não só abandonam ou descartam, mas também deixam seus animais livres para acessar as rodovias, cujo inerte silêncio do Executivo Estadual e dos Municípios atingidos por estas ocorrências têm causado grande indignação aos cidadãos. Na última semana de julho foram 3 acidentes graves, sem nenhuma manifestação dos gestores públicos, quanto a providências que estejam sendo tomadas para impedir que pessoas e animais continuem morrendo nestas estradas.
Por esta razão uma manifestação está agendada para o dia 14 de agosto, organizada por ativistas e entidades que militam pela causa animal no estado mineiro, com o objetivo de reivindicar ao Poder Público uma inciativa intermunicipal para discutir as pautas acerca dos animais e dos acidentes com animais na MG-10 e MG-424 de Belo Horizonte até Confins, conforme explica o veterinário, professor e resgatista de animais em situações de acidentes e desastres Aldair Juno Woyames.
Aldair enfatiza que, em sua interpretação é exatamente a ausência de políticas de conscientização das pessoas que têm animais sobre guarda responsável, a falta de estrutura municipal de recolhimento, acolhimento, transporte e translocação desses animais soltos em rodovias e uma punição para as pessoas que deixam seus animais soltos com acesso às vias, as grandes causas do problema. Opinião reforçada pelo tenente da Policia Militar Rodoviária de Minas Gerais, André Muniz, que enfatiza não só a importância destes tutores reforçarem suas cercas impedindo o acesso de seus animais às rodovias, mas também a necessidade de uma união das prefeituras dos municípios transpassados por estas estradas, onde possam ser estabelecidos convênios para apreensão destes animais e penalizações aos tutores por meio de multas ou apreensão de seus animais já que, infelizmente, sem punição as pessoas não têm consciência e vão deixar acontecer estes acidentes, muitas vezes, com vítimas fatais. “Se não tiver envolvimento de outros órgãos, só a Polícia Militar não consegue dar solução pra isso” ratifica Muniz.
Vidas e sonhos interrompidos, desta maneira, pela negligência de cidadãos que quase nunca são penalizados, já que estes animais não sendo chipados ou, carregando qualquer outro tipo de identificação, acabam impedindo que os tutores sejam localizados pela polícia, como enfatiza o tenente.
Contudo, se o cidadão não pode ser punido por seu delito, em decorrência da ausência de medidas mais enérgicas das autoridades competentes, o ESTADO pode pagar esta conta. É o que unanimemente corroboram juristas das mais diferentes áreas do Direito.
No que diz respeito aos cidadãos vitimados por estes acidentes ou, mesmo parentes das vítimas fatais o advogado e professor universitário Felipe Piló, especialista em Direito Constitucional, Tributário, Compliance, Eleitoral e presidente da Associação dos Consumidores do Brasil – ACBBrasil esclarece que o Estado é responsável subjetivamente sim por estes incidentes. Ou seja, mesmo o Estado não dando CAUSA ao fato danoso, ele (o estado) responde por sua omissão, porque cabe ao Poder Público fiscalizar, saber quem é o tutor destes animais e impedir que (os animais) acessem estas vias. Neste sentido, as vítimas podem ingressar com ações judiciais contra o Estado pedindo indenização por dano de reparação, por dados morais, danos materiais e lucro cessante.
“Fato que é importante enfatizar porque, quanto mais pessoas entrarem com ações desta natureza, mais nossos administradores públicos serão obrigados a zelar por esta causa” enfatiza Piló.
Já o advogado José Moura Neto, especialista em Direito Administrativo e diretor jurídico da associação Brasil Sem Tração Animal cita o artigo 23 , Inciso VI, da Constituição Federal que trata da competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios em proteger o meio ambiente, destacando que, o que se tem visto é a mais completa e inequívoca omissão do poder público do estado de Minas Gerais e de seus municípios que cuidam das rodovias em proteger estes animais que, dia após dia, morrem atropelados. “Até quando vamos assistir esta carnificina patrocinada pela omissão estatal” indaga o jurista, que conta com o apoio das advogadas Gabriela Maia e Maria Letícia Filpi.
Para Dra. Maia, especialista em Direito Animal e fundadora do Direito Animal Brasil – DABRA a visão histórica que temos dos animais e da natureza como inferiores, como coisas ou menos importantes tem mostrado suas consequências de formas variadas – como a pandemia, as mudanças climáticas ou, numa visão mais local para Belo Horizonte e região, os acidentes nas rodovias MG-10 e MG-424, onde os animais de grande porte (na maioria equídeos) não são devidamente cuidados por seus donos e nem pelo poder público, causando acidentes cada vez mais frequentes.
“É claro que a culpa não pode recair sobre esses animais. Eles são apenas outras vítimas (e, muitas vezes, as mais negligenciadas). A Constituição e as leis são claras, mas brandas. A responsabilidade por esses animais é dos seus tutores ou, caso eles não sejam encontrados, do Poder Público Municipal e Estadual. Porém, como não são cães e gatos que causam tais acidentes, os tutores desses animais não respondem a uma pena capaz de repreender as atitudes irresponsáveis de deixá-los abandonados. Do mesmo modo, não se vê os agentes públicos atuando efetivamente para aplicar multas para esses particulares ou para fazerem o manejo adequado destes animais – e, por manejo adequado eu me refiro não só a tirar os animais das vias de trânsito, mas a fazê-lo de modo que respeite a segurança, a saúde e a integridade física e mental desses animais, que, pela lei mineira, são sujeitos de direito despersonificados. Quando o Poder Público não age como deve nesses casos, a conta sobra para todo mundo.” conclui a doutora.
A advogada Maria Leticia Filpi, especialista em Direito Ambiental e fundadora do GAAV – Grupo de Advogadas Animalistas Voluntárias – por sua vez enfatiza que o crime contra a fauna – que não faz nenhuma distinção entre as espécies – está na lei de crimes ambientais e, que para além da responsabilidade penal, cujo dolo – a intenção – deverá ser constatado para a punição na esfera penal, existe a “Responsabilidade Civil Objetiva”, uma vez que este tipo de crime gera punições cível e administrativa ao autor, que neste contexto significa dizer que se houver a prática do crime (ambiental) deverá pagar-se pelo dano.
Filpi explica que este conceito está justificado no “princípio do poluidor pagador”; onde POLUIR aqui neste sentido é um conceito amplo, não ficando restrito apenas a sujar, pois também pode ser considerado como MATAR, MALTRATAR, NEGLIGENCIAR. Ou seja, qualquer dano que o cidadão cause à um ente da natureza – seja animal, mineral, vegetal – é considerado ‘poluir’ e deverá ser passível de punição. Outro ponto é a corresponsabilidade dos representantes do Executivo e Legislativo nestes crimes.
“A responsabilidade é objetiva e solidária no crime ambiental. Qualquer dano que aconteça a qualquer cavalo, a qualquer animal de um município, neste contexto, a responsabilidade também é do secretário de meio ambiente é do prefeito é dos vereadores que não fazem política pública para resolver o problema. Então, se tem cavalo sendo atropelado nas rodovias de Minas Gerais é porque o Prefeito, por exemplo, não tomou atitudes para evitar tal ocorrido” enfatiza Filpi, complementando que a ação civil pública é o mecanismo jurídico para começar a responsabilizar estes agentes, individualmente, de modo que paguem indenizações, assim como os Municípios, que possam ser revertidas aos Santuários e Entidades que acabam assumindo a tutela dos animais que sobrevivem ou são capturados nas rodovias, por exemplo. “Novamente: Princípio do poluidor pagador; quem participa direta ou indiretamente do crime ambiental deve pagar pelos danos” finaliza, didaticamente, a advogada.
A dor de perder um ente querido em episódios como estes é irreparável, principalmente, sabendo que poderiam ser evitados se houvesse maior dedicação da administração pública. O próprio professor Aldair que dedica sua vida ao salvamento de animais vitimados em acidentes e desastres, por meio do grupo de resgates que participa, Resgate Animal UNI-BH, passou por esta experiência ao perder seu irmão de 60 anos há três meses, exatamente, em um acidente envolvendo um equino “solto” na rodovia MG 424, próximo ao município de Vespasiano -MG.
“No acidente do meu irmão Rogê o que mais me traumatizou foi saber que eu conversei com o policial que atendeu a ocorrência e, ele me disse que naquele mesmo dia, por mais de duas vezes, havia retirado aquele mesmo animal da rodovia. Mostrando, então, que este é um problema crônico, recidivante que acomete todas as pessoas que transitam pela MG – 424” desabafa o resgatista.
(*) Em tempo, neste acidente, enquanto seu irmão era levado para o hospital em estado gravíssimo Aldair e sua equipe do Resgate Animal UNI-BH, prestou socorro ao equino que se chocou com a moto de Rogê (uma égua), e que também não resistiu.
Organizam o manifesto “PARE AGORA- Pelo Fim dos Acidentes Envolvendo Animais na MG-10 e MG 424” as entidades: Grupo de Resgate Animal Uni-BH; Brasil Sem Tração Animal; Vida Animal Livre; BH Sem Tração Animal; Movimento Mineiro pelos Direitos Animais – MMDA; Fofucinhos; Direito Animal Brasil – DABRA; Resgate Animal Rio Arrudas.
Já confirmaram presença, no dia da manifestação, o deputado federal Fred Costa, o deputado estadual Noraldino Junior, os vereadores de Belo Horizonte Wanderley Porto, Miltinho CGE, Duda Salabert e o vereador de Vespasiano Filipe Caldeira.
Dia: 14/0821
Concentração dos manifestantes: 09h30min
Início da manifestação: 10 h
Saída: Em frente à Cidade Administrativa
Recomendação: Usar máscara