Imenso, inexplorado, inabitado. Esses são alguns adjetivos comumente usados para se referir ao mar. Essa enorme extensão de água é frequentemente considerada a “culpada” por separar nações e continentes, mas, se olharmos por outro lado, é o oceano que, literalmente, une esse planeta que chamamos de Terra.
Pense rápido: onde é produzida a maior parte do oxigênio do mundo? Onde está concentrada a biodiversidade? Onde estão as maiores reservas de recursos naturais para as gerações futuras: Amazônia? Não. A resposta certa é: no oceano. Mas se você errou, não está sozinho.
Uma pesquisa intitulada “Oceano sem Mistérios: A relação dos brasileiros com o mar”, realizada pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza em parceria com a Unesco e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), entrevistou mais de duas mil pessoas de todos os cantos do país e constatou que 26% dos brasileiros acreditam que o oceano não impacta em nada suas vidas, enquanto metade dos entrevistados diz que os impactos são apenas indiretos. Ou seja, a gente literalmente esquece do ar que respiramos.
Também temos grande dificuldade em visualizar o espaço marítimo como um tipo de identidade. Ao olhar qualquer mapa, o oceano é retratado como um plano azul celeste com mínimas inscrições e foi historicamente desprendido de sua noção de lugar e de raízes culturais. Mas para as comunidades tradicionais costeiras, o mar tem tantos detalhes quanto a terra: caminhos, áreas, setores e cores, paisagens que sabem ser lidas pelas pessoas que estão habituadas a esse ambiente.
A dificuldade em traduzir essa conexão de alguns povos com o oceano levou ao surgimento de uma nova palavra: “maretório”, uma junção de “mar” com “território”. É um termo que vem ganhando espaço para contrapor essa percepção tão separada e uniforme que temos de terra e mar. O conceito surgiu de uma demanda dos próprios povos costeiros – marisqueiras, pescadores, caiçaras, jangadeiros, ribeirinhos, e tem sido defendido no Brasil pela Comissão Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais Extrativistas Costeiros Marinhos (Confrem).
Maretório também pode ser definido como o território das marés para se referir a variação do nível do mar, elemento central para as comunidades tradicionais da costa brasileira e que por sua vez é influenciada pelos ciclos lunares e pelas mudanças climáticas. Pode não parecer muita coisa no Sul e Sudeste do país, onde as marés variam tipicamente 1 ou 2 metros por dia, mas no Norte e Nordeste do país, elas podem chegar a uma amplitude de até 6 metros em relação ao nível mais baixo.
O último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) prevê o aumento do nível do mar, que poderá causar variações de 20% (para mais ou para menos) no nível da maré até 2100. Sabe o que isso quer dizer? As Ilhas Maldivas não serão um destino de luxo por muito mais tempo, porque elas ficarão totalmente embaixo da água bem antes disso – e muitas outras ilhas menos famosas do Pacífico também, enquanto no Rio de Janeiro a água chegaria até a igreja da Candelária.
Ao mesmo tempo, a mesma pesquisa que mostra quão pouco os brasileiros sabem do mar, indicou que 82,2% dos entrevistados diz estar disposta a mudar seus hábitos em benefício do oceano – e esse processo começa com se informar. Conhecer para conservar é um dos mais importantes e mais eficientes princípios na luta pela natureza e todos podemos atuar propagando essas informações. Então se você faz parte dessa maioria e quer embarcar nessa, confira:
– Em tempos de eleição, já olhou o que seu candidato defende para a zona costeira? Pretende-se olhar para os maretórios ou realizar grandes projetos e deixar as comunidades à margem do desenvolvimento?!
– Acompanhe algumas organizações que lutam pelas comunidades tradicionais costeiras nas redes sociais: Fórum de Comunidades tradicionais Angra-Paraty-Ubatuba; Conselho Pastoral dos Pescadores; Territórios da bocaina
– Sempre vale lembrar que o acesso ao mar não pode ser privilégio, e ainda temos 2 projetos de lei tramitando que podem mudar isso.
Fonte: Ecoa