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ABANDONO

Mais que saudade: os riscos de deixar animais doméstico sozinhos por muito tempo

A dor da solidão não assola apenas os humanos. Os animais também sentem, sofrem e desenvolvem problemas físicos e emocionais após longos períodos sem companhia

22 de setembro de 2025
Júlia Christine
5 min. de leitura
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Foto: Arquivo pessoal

Por muitas vezes, na correria da rotina urbana, os tutores não têm outra opção a não ser deixar seus animais domésticos sozinhos em casa. Mesmo sem a intenção de prejudicá-los, esse hábito pode afetar de forma severa a saúde física e mental dos cães e gatos. No entanto, ainda que a rotina seja solitária, existem métodos para amenizar os sintomas ocasionados pelo dia a dia sem companhia.

Entre cães e gatos, o sofrimento causado pelo sentimento de abandono é real, penoso e frustrante. Contudo, os animais podem apresentar manifestações diferentes de acordo com a espécie e até mesmo a raça. O médico veterinário Edilberto Martinez, mestre em biologia animal e doutor em psicologia social, afirma que, apesar de os gatos serem popularmente conhecidos por sua independência, quando a convivência com seres humanos é harmônica, eles desenvolvem laços afetivos e, na ausência dos mesmos, podem manifestar alterações comportamentais. Entre elas estão a apatia, lambedura compulsiva, eliminação de urina em locais inapropriados e mudanças no padrão alimentar.

Já os cachorros, por possuírem um sistema emocional mais aflorado, tendem a manifestar emoções de forma exacerbada. “Eles demonstram mais os sinais de comportamentos indesejáveis relacionados à ausência das pessoas de seu convívio. Entre eles, destruição de mobílias, arranhadura de portas, urina e fezes espalhadas pela casa, rejeição de alimentos, automutilação por lambedura ou mordedura excessiva de partes específicas do corpo e, um dos principais, a vocalização excessiva, que pode incomodar a vizinhança e trazer problemas com a comunidade”, detalha o veterinário.

Esses episódios comportamentais estão ligados à ansiedade causada pela separação das pessoas com quem o animal tem vínculo emocional. Seriam, na verdade, tentativas de lidar com a ausência e expressar sentimentos em busca de alívio. Contudo, o médico alerta que é preciso diferenciar o normal do preocupante. “Após um curto período de ausência dos tutores, eles devem se interessar por estímulos no ambiente. É esperado também que durmam, comam, bebam água e façam suas necessidades de maneira habitual. O quadro torna-se preocupante quando comportamentos típicos da espécie passam a ocorrer com maior frequência e intensidade, levando a algum tipo de prejuízo físico ou emocional”, completa.

Além do comportamental

Mais do que afetar o comportamento, a solidão também atinge a saúde física, deixando os animais suscetíveis a desenvolver doenças clínicas. A médica veterinária Fernanda Maia relata que o isolamento pode causar baixa na imunidade sistêmica, desencadeando gastrite, colite, doenças de pele e alterações hormonais, como o aumento do cortisol. Também estão associadas ao emocional doenças como ansiedade, estresse, sedentarismo, obesidade, distúrbios gastrointestinais e dermatites por lambedura compulsiva.

A falta de estímulos durante um dia solitário também pode prejudicar o tônus muscular. “Essa ausência de estímulo mecânico pode afetar as articulações e levar ao agravamento de doenças como a artrose, principalmente em animais idosos. Além disso, aumenta o risco de obesidade”, explica. Em animais mais velhos, a situação é ainda mais delicada, pois é comum que doenças pré-existentes sejam agravadas pelo estresse.

Tratamento e prevenção

Para amenizar os efeitos negativos, Fernanda afirma que recorrer a ansiolíticos, antidepressivos e suplementos naturais, como triptofano, feromônios sintéticos e fitoterápicos, é importante, mas não suficiente. É preciso associar essas alternativas a um ambiente estimulante, com enriquecimento ambiental e brinquedos que entretenham o animal, além de momentos de interação com o tutor.

Na prevenção, Edilberto destaca que, desde filhote ou nos primeiros contatos com o animal, deve-se estabelecer uma rotina previsível, com enriquecimento ambiental personalizado, exercícios físicos, brincadeiras, treinamento de independência emocional, que consiste em ensinar o cachorro ou gato a ficar sozinho gradualmente e estímulos positivos antes da saída. Para aqueles que já apresentam problemas relacionados à solidão, é importante que não fiquem sozinhos até estarem preparados para isso, conforme a evolução dos treinos de independência.

Acima de tudo, ter um vínculo seguro e positivo com o animal fortalece a confiança do animal e reduz a ansiedade. A segurança emocional oferecida pelo tutor é a base para que o ele tolere a ausência sem sofrimento excessivo, sabendo que ele retornará e tudo ficará bem.

Uma rotina organizada

Glória, uma goldendoodle, costuma ficar de seis a oito horas sozinha quando sua tutora, Luiza Lima, trabalha fora. O processo de adaptação para essa rotina foi difícil e cansativo tanto para a tutora quanto para o animal, mas, com paciência, ela conseguiu driblar as dificuldades. Hoje, Glória lida de forma mais tranquila com a solidão. “No começo foi difícil e estressante, a Glória sentia muita ansiedade e acabava roendo móveis, comendo chinelos e destruindo seus brinquedos”, relata.

Para os dias em que passa muito tempo fora, Luiza organizou uma rotina cheia de estímulos e carinho. “Antes de sair para trabalhar, faço caminhadas longas, gastamos energia com brincadeiras ao ar livre e, assim que eu saio, deixo brinquedos para distração, enriquecimento ambiental e alguns quebra-cabeças que liberam petiscos, além de deixar a televisão ligada no programa DogTv.”

Qualidade de vida

Mesmo com todo cuidado, nem sempre a rotina é regada de paz. Danilo Correia, estudante universitário, fica, no máximo, três horas fora de casa. Infelizmente, esse tempo já é suficiente para o seu cachorro, Pingo, sofrer com ansiedade de separação, transtorno que causa pânico e, em casos mais graves, pode levar à depressão, à agressividade, à automutilação e até a perda de membros.

Danilo conta que, quando o animal integrou a família, já estava acostumado a ficar sozinho. Contudo, após um período em que o tutor passou a ficar em casa o dia inteiro, Pingo se habituou à companhia constante e acabou desenvolvendo ansiedade e comportamentos destrutivos. “Os vizinhos começaram a notificar choros e uivos vindos do apartamento quando eu estava fora. Foi quando percebi que algo estava muito errado”, lembra.

Atualmente, Pingo está sendo acompanhado por veterinários e adestradores. Esse cuidado não apenas ajuda o tutor, mas promove qualidade de vida e segurança para o animal. “Eles não apenas o treinam, mas, principalmente, nos orientam sobre como lidar melhor com o Pingo e como fazer a preparação para essas ocasiões em que ele fica sozinho.”

Fonte: Correio Braziliense

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