Mais de 500 cientistas e economistas imploraram a líderes mundiais, na semana passada, que parem de considerar a queima de biomassa para produção de energia como livre de emissões de carbono, e que interrompam os subsídios que fazem com que a demanda por pellets de madeira sofra aumentos explosivos.
A carta foi recebida no dia 11 de fevereiro pelo presidente dos EUA, Joe Biden, e pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e também pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, e o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in. O documento deve ser enviado em breve ao primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.
“Nós, os cientistas e economistas abaixo assinados, parabenizamos cada um de vocês pelas metas ambiciosas que foram anunciadas (…) para alcançar a meta de zerar as emissões até 2050”, começa a carta de duas páginas. “A preservação restauração das florestas devem ser ferramentas essenciais para atingir esse objetivo e, ao mesmo tempo, ajudar a enfrentar nossa crise mundial de biodiversidade”.
No entanto, “pedimos que vocês não arruínem os objetivos climáticos e a biodiversidade simplesmente trocando a queima de combustíveis fósseis pela queima de biomassa florestal para a produção de energia”.
De acordo com a nova diretiva da União Europeia sobre o incentivo de energias renováveis – aprovada pelas Nações Unidas no Acordo de Paris -, as emissões de carbono geradas pela queima de biomassa não são sequer consideradas. Essa lacuna significativa na contagem de carbono gera uma subnotificação dos dados de emissão em um momento em que as temperaturas globais estão aumentando rapidamente, causando secas, tempestades, queimadas devastadoras e o aumento do nível do mar em todos os cantos do planeta.
Em vez de ser uma solução climática neutra em carbono, dizem os cientistas, derrubar árvores e queimar pellets de madeira é ainda mais poluente do que carvão, “e emite mais carbono através das chaminés do que os combustíveis fósseis”, ao mesmo tempo em que acaba com o sequestro de carbono das árvores na produção de pellets de madeira.
“No geral, para cada quilowatt-hora de calor ou eletricidade produzida, [a queima] de madeira inicialmente tende a adicionar de duas a três vezes mais carbono ao ar do que o uso de combustíveis fósseis”, afirma a carta, contrariando a política e a alegação da indústria de que a biomassa não emite carbono.
Por sua vez, a indústria de biomassa alega utilizar técnicas de manejo florestal para selecionar as árvores que serão cortadas nas florestas e em plantações, evitando o corte raso e preservando reservas de carbono. Ela também alega que árvores recém-plantadas absorvem rapidamente o carbono emitido pela queima de pellets de madeira. Ambas alegações são contestadas por ONGs que observaram que florestas maduras absorvem e retêm muito mais carbono do que mudas e árvores mais jovens.
Os cientistas definiram 4 metas: acabar com subsídios e outros incentivos que favoreçam o uso de biomassa para produzir energia e calor; na União Europeia, desconsiderar as alegações da diretiva que categoriza o uso de biomassa como neutro em emissões e erroneamente superestima a redução de emissões; no Japão, acabar com os subsídios para a queima de biomassa em usinas termelétricas; e nos EUA, parar de considerar a biomassa como uma fonte com zero emissões de carbono à medida que o governo Biden estabelece novas regras climáticas e incentivos para conter o aquecimento global.
“Os subsídios do governo para a queima de madeira criam um duplo problema climático porque esta falsa solução está substituindo as reduções reais de carbono”, diz a carta. “As empresas estão mudando o uso de energia fóssil para a madeira, o que aumenta o aquecimento, em vez da mudança para a energia solar e eólica, o que realmente diminuiria o aquecimento.”
A pressão exercida por cientistas e economistas estadunidenses, europeus e canadenses na semana passada foram os mais recentes esforços para ressaltar dados científicos que demonstram os impactos negativos do uso de biomassa para líderes mundiais, cujas políticas de bioenergia ajudaram a criar uma indústria multibilionária de produção de pellets de madeira.
Uma carta semelhante assinada por quase 800 cientistas em 2018 pressionou a UE a alterar suas políticas de biomassa, sem sucesso.
“Melhor público desta vez”
Tim Searchinger, pesquisador sênior da Universidade de Princeton e especialista em biomassa florestal, ajudou a redigir a nova carta. Ele disse ao Mongabay que tem mais esperança de que este documento produza resultados positivos.
“Sentimos que há um crescente reconhecimento do problema [das emissões de biomassa] na Europa, [embora] haja cada vez mais evidência do aumento do desmatamento que vem ocorrendo desde 2015 por conta do uso de bioenergia”, disse Searchinger. “Portanto, achamos que a carta pode ter um público melhor desta vez. Nos Estados Unidos, nossa esperança e expectativa é de que líderes como [o secretário do Departamento de Qualidade Ambiental] Michael Regan e [a Conselheira Nacional do Clima] Gina McCarthy se certifiquem de que enfrentaremos esse problema da maneira certa.
“Mas sabemos que nem todo recém-chegado ao governo [Biden] se sente assim, então é útil que eles estejam cientes do peso das evidências científicas.”
A carta alerta sobre os impactos adversos da queima de biomassa no clima e na biodiversidade: “Suas decisões daqui para frente são de grande conseqüência para as florestas do mundo, porque se o mundo aumentasse apenas 2% do fornecimento de energia de madeira, seria necessário dobrar a quantidade de colheitas de madeira”.
Na Carolina do Norte, por exemplo, a Enviva, um dos principais produtores de biomassa dos EUA, já está colhendo cerca de 60 mil acres de floresta anualmente para produzir 2,5 milhões de toneladas de pellets de madeira para exportação, de acordo com cálculos da Dogwood Alliance, uma ONG de preservação florestal com sede no estado.
“A queima de madeira aumentará o aquecimento por décadas ou até séculos. Isso é verdade mesmo quando a madeira substitui carvão, petróleo ou gás natural ”, observou dois dos signatários da carta, Jean-Pascal van Ypersele, ex-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU, e Peter Raven, vencedor da Medalha Nacional de Ciências dos Estados Unidos.
A União Europeia vai reavaliar a designação de neutralidade de carbono da biomassa?
Mesmo com o consenso científico se intensificando contra a biomassa florestal, a opinião pública da UE está começando a se voltar contra essa forma de bioenergia, com mais de 40.000 europeus assinando uma petição contra a queima de florestas para produzir eletricidade. É importante ressaltar que Franz Timmermans, vice-presidente da Comissão da UE, disse recentemente à imprensa holandesa que a União Europeia irá reavaliar suas políticas sobre biomassa da nova diretiva ainda em junho.
Em resposta a perguntas da Mongabay, um porta-voz da Comissão Europeia elaborou, sem abordar especificamente as mudanças de política solicitadas na carta da semana passada:
“Precisamos de mais bioenergia sustentável para atingir as metas climáticas e de energia para 2030 e a neutralidade climática de longo prazo”, disse o porta-voz. “É importante garantir, no entanto, que a oferta e a demanda não sejam maiores do que o necessário para esse objetivo e que a bioenergia seja produzida e utilizada de forma sustentável, enquanto os impactos ambientais negativos são efetivamente evitados e minimizados. Além disso, na Estratégia de Biodiversidade da UE para 2030, o uso de árvores inteiras e culturas de alimentos e rações para a produção de energia – seja produzida na UE ou importada – deve ser minimizado. ”
Em conversa com a Mongabay, o signatário da carta e presidente do Woodwell Climate Research Center, Phil Duffy, fez uma crítica à posição atual da UE: “Não há absolutamente nenhuma razão para que madeira em qualquer forma precise ser queimada para produzir eletricidade. Energia eólica, solar e nuclear são fontes de muito baixo carbono e são imensamente abundantes. Produzir energia a partir dessas fontes, enquanto simultaneamente expandimos florestas e outros reservatórios naturais para remover CO2 da atmosfera, não é apenas carbono neutro, mas carbono negativo. Esta é a única abordagem que tem uma chance remota de evitar resultados climáticos inaceitáveis. ”
Bill Moomaw, professor emérito da Tufts University em Massachusetts e importante especialista em biomassa, ajudou a redigir a carta de cientistas sobre biomassa. Ele também critica a resposta da União Europeia e, até agora, achou-a muito vaga para ter esperança. “O que eles querem dizer com sustentável?” ele perguntou. “Quanto eles vão minimizar o ato de derrubar árvores inteiras?”
Moomaw concluiu: “Temos que reduzir todas as emissões de gases de efeito estufa o mais rápido possível em todos os setores de produção de energia, incluindo o de bioenergia. E temos que aumentar a capacidade de nossas florestas existentes absorverem dióxido de carbono. A única maneira de fazer isso é deixá-las crescer. O plantio de novas árvores contribuirá muito pouco para o sequestro de carbono no curto espaço de tempo que temos para reduzir a taxa de aquecimento global. ”
*Justin Catanoso é um colaborador regular do Mongabay e professor de jornalismo na Wake Forest University, na Carolina do Norte. Siga-o no Twitter @jcatanoso