Um levantamento do Ibama-MS concluiu que o Mato Grosso do Sul contabiliza hoje 11.122 caçadores registrados, os chamados CACs (Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores), habilitados para matar javalis (Sus scrofa). A autorização, criada em 2013, transformou o Estado em um dos epicentros da política de extermínio de animais introduzidos no Brasil por humanos.
Segundo o Ibama-MS, a presença da espécie traz prejuízos à produção agropecuária, em especial às lavouras de milho. Mas a estratégia de controle baseada em matança se mostra limitada, cruel e desconectada de alternativas éticas de manejo.
Em vez de discutir políticas de prevenção ou formas de manejo não letais, lideranças do agro reforçam o discurso de guerra, defendendo a ampliação da caça como única resposta. Essa visão ignora que os javalis e seus híbridos, os javaporcos, foram introduzidos no Brasil pela ação humana, inicialmente para caça e criação em cativeiro, e se adaptaram a ambientes degradados pela própria expansão agropecuária.
Além disso, os javalis não são os único que sofrem com os impactos da caça. A perseguição organizada envolve cães, que sofrem ferimentos graves e podem morrer durante o processo.
O sofrimento dos javalis é tratado como detalhe técnico em relatórios oficiais, reduzindo vidas a estatísticas de manejo.
Em municípios como Bonito, a presença desses animais já é apresentada como risco ao ecoturismo, e reuniões de conselhos ambientais discutem planos de ação. Mas mesmo nesses espaços, a ênfase segue sendo a “eficiência” da caça, sem enfrentar a origem do desequilíbrio ecológico nem considerar alternativas modernas, como métodos contraceptivos, cercamentos protetivos ou restauração ambiental.
Apesar de relatos de javalis de até 300 quilos mortos em cidades como Costa Rica e Rio Brilhante, a população da espécie segue muito grande. O próprio Ibama classifica dezenas de municípios do Estado como prioridade “extremamente alta” ou “muito alta” para o controle. Esse quadro revela a ineficácia de uma política que insiste no extermínio de animais como resposta, perpetuando um ciclo de violência.
A crise mostra um modelo de gestão da fauna baseado na exploração e no descarte. Em vez de discutir apenas protocolos de caça e burocracia de cadastros, o debate deveria incluir responsabilidade histórica de quem introduziu os animais, investimentos em ciência, pesquisa em métodos não letais e compromisso real com o equilíbrio ecológico. Sem isso, Mato Grosso do Sul continuará repetindo a mesma lógica de matar para controlar e falhando em aprender com os próprios erros.