Quando se pensa em migrações de mamíferos, as vastas savanas africanas e seus rebanhos de elefantes, gnus e zebras geralmente vêm à mente. Contudo, é nos céus da Zâmbia, sobre o Parque Nacional Kasanka, que ocorre o maior evento do tipo do planeta.
Os responsáveis pelo feito são milhões de morcegos-cor-de-palha (Eidolon helvum). Eles, todos os anos, chegam a Kasanka a partir de outubro, vindos de várias partes da África, como a República Democrática do Congo, Malawi e Tanzânia, e permanecem no local até janeiro, aproveitando a abundância de frutas tropicais que a região oferece.
Esses animais se instalam na floresta fria e pantanosa do parque esperando o anoitecer para que possam voar em massa em busca de comida. Ao amanhecer, retornam para dormir, pendurados nas árvores.
Melissa Locker, jornalista colaboradora da Smithsonian Magazine presenciou tanto a partida dos morcegos para a caça quanto o retorno para o descanso, e os descreveu como “impressionantes” e “surpreendentes”. “É um daqueles momentos em que risos, lágrimas e puro espanto são todas respostas razoáveis”, relatou.
Simon Siame, o guia de safári de vida selvagem que a acompanhou na jornada, disse que os chamados megabats (ou megamorcegos, no português) podem viajar até 96,5 quilômetros por noite em busca de suas frutas favoritas para lanchar. Eles são os únicos morcegos frugívoros migratórios de longa distância no continente, e acredita-se que indivíduos de várias colônias diferentes se encontram em Kasanka.
O motivo pelo qual os animais têm esse local como destino anual é um mistério. “Em termos de compreensão das razões da migração não temos muito conhecimento sobre o assunto, mas acreditamos que eles vêm pela comida”, apontou Teague O’Mara, especialista em movimento e comportamento de morcegos e diretor de evidências de conservação na Bat Conservation International.
Dentro os itens que eles mais gostam, exemplificou O’Mara, estão nêspera, figo, manga, banana e uma frutinha roxa chamada waterberry.
Outro enigma é porque os morcegos não vivem em Kasanka o ano todo. “Vemos, particularmente em lugares onde há menos sazonalidade na África Equatorial e Accra [Gana], que há populações que têm grandes influxos de animais migratórios, mas eles terão uma população estável durante o resto do ano. Isso não acontece em Kasanka. Quando janeiro chega, todos os morcegos desaparecem”, salientou o especialista.
Além disso, não se sabe se o Eidolon helvum transfere este padrão migratório para as demais gerações. “Nós nem sabemos se são os mesmos morcegos voltando para Kasanka repetidamente”, observou O’Mara. “Não temos como saber, quando vemos um morcego em particular, se ele vai voltar ou se já esteve lá antes.”
A NatGeo destaca que uma das razões pelas quais os cientistas não conseguiram rastrear os padrões migratórios dos morcegos de perto é devido a um problema básico de tecnologia. “Não temos etiquetas de GPS ou outras etiquetas que possam durar um ano inteiro”, complementou o diretor de evidências de conservação na Bat Conservation International.
“Jardineiros da África”
Especialistas em comportamento animal desenvolveram um sistema para contar os morcegos de Kasanka durante sua migração. Em artigo publicado em 2023 no The Conversation, eles relataram que cerca de um milhão estavam empoleirados em Kasanka na temporada de pico de novembro de 2019. Mas O’Mara e os guias do parque acham que esse número é muito baixo. Eles estimam que o total passe de 12 milhões.
Importante ressaltar que estes morcegos frugívoros desempenham um papel vital no ecossistema. Como amam frutas, eles comem o máximo que podem e deixam as sementes em seu rastro enquanto voam.
“Eles estão depositando sementes em lugares onde nenhum outro dispersor irá. Eles têm o potencial de restaurar muitas espécies de madeira economicamente importantes”, indicou O’Mara. “Eles são os melhores dispersores de sementes, são os jardineiros da África.”
A má notícia é que tem havido um declínio na população da espécie, pois seu habitat está sendo ameaçado pelo desmatamento. Atualmente, esses animais estão listados como quase ameaçados pela União Internacional para a Conservação da Natureza.
Fonte: Um Só Planeta