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Macacos explorados se revoltam na China e dão lição em treinador

9 de janeiro de 2009
4 min. de leitura
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Por Ana Cardilho
em colaboração para a ANDA
Quando um dos macacos se recusou a andar na bicicleta em uma apresentação de rua em Sizhou, China oriental, seu “dono” bateu nele com um pau. Embora eles estivessem amarrados com cordas atadas às suas coleiras, os macacos decidiram se defender. Dois animais vieram em defesa do terceiro macaco, tomando o pau da mão do homem, puxando sua orelha e mordendo sua cabeça.

– Seu delegado, eu vou ser sincero com o senhor. O pau quebrou mesmo! Mas não foi nossa culpa, não. Vou contar a história todinha e daí o senhor avalia quem tem razão.
Eu e meus dois amigos, aqueles ali que o policial algemou, não são de briga. Pelo contrário. São dois macacos da paz que vivem tranqüilos, dois boas-vidas que só querem comer suas frutinhas, catar piolhos aqui e ali e dormir sem medo de caçadores.
Nós três vivíamos muito bem no meio da floresta, com nossa tribo formada de várias famílias. Nós sempre nos ajudávamos e a vida era boa demais! Até que uns caçadores do mal, mas do mal mesmo, seu delegado, invadiram nossa mata e nos aprisionaram. Os que se revoltaram levaram chumbo. Eu vi dois primos mortinhos da silva. Eles tentaram morder os caçadores e levaram a pior.
Depois de uma viagem sufocante dentro de uma caixa bem pequena escondida em um caminhão mulambento, chegamos aqui em Sizhou e nós três fomos vendidos a um circo local. Durante um tempo um treinador nos dava bananas e outras frutas em troca de algumas graças, como andar de cabeça pra baixo, pegar no ar umas bolas coloridas e andar numa corda bamba. Tudo muito bobo, coisas que fazemos naturalmente pendurados em uma árvore. Até aí era ruim, mas dava pra agüentar porque havia comida, água fresca e estávamos bolando um plano de fuga.
É, seu delegado, nós estávamos mesmo fazendo planos para fugir, porque viver num circo, dentro de uma jaula, fazendo números tolos pra ganhar comida, e de vez em quando ganhando uns cascudos, não era vida para macaco nenhum. Muito menos pra nós, que nascemos e fomos criados ao ar livre.
Mas a coisa toda se complicou quando o treinador brigou com o anão, o dono do circo, e foi expulso do picadeiro. Antes de sair ele pegou nós três e fugiu. Passamos a morar nas ruas, a comer quase nada e a trabalhar muito. O treinador improvisava números nas esquinas movimentadas e colocava a nós, os macacos, pra andar de bicicleta, de patins, nos vestia com saias, nos colocava chapéus ridículos na cabeça e éramos obrigados a ficar com uma coleira no pescoço o tempo todo. Desse jeito era impossível fugir. O treinador nos controlava e era cruel.
Foi então que ele cismou que meus amigos teriam que andar de bicicleta. Seu delegado, o senhor sabe que macaco pula, rola, anda em galhos de árvores altas, sobe e desce com a maior facilidade, anda sobre as mãos e outras estripulias. Mas andar naquelas bicicletinhas enferrujadas e tortas era demais. Onde ficava nossa dignidade? Daí estressamos mesmo, seu delegado. Quando eu disse: “Pra mim chega! Não vou andar nessa porcaria”, o treinador desceu a lenha na minha cabeça. O senhor passa a mão aqui ó… Tem um baita galo. Meus amigos viram a cena e perceberam que eu ia chorar… Puxa, o senhor sabe quanto custa pra um macaco chorar? Eles perderam a cabeça e avançaram contra o treinador. Puxaram o cabelo dele, tomaram o bastão de madeira e foi bem feito que o treinador tomou umas mordidas na orelha. Onde já se viu me bater?
Esse treinador é muito folgado, seu delegado. Bate na gente, nos maltrata e ainda quer ter razão? Quem disse que ele pode nos tratar como escravos, presos a coleiras no pescoço, comendo migalhas? Quem deu a ele esse poder? Não está errado isso, seu delegado? Nossa vida é livre. Nosso destino é a selva, e não ficar pagando “macacada” pra que o treinador possa ganhar uns trocados fáceis em esquinas cheias de turistas.
Que bom que o senhor nos entende, seu delegado. Vejo que o senhor tem bom coração mandando tirar as algemas dos meus amigos. Eles são inocentes. Somos todos inocentes e não merecemos punição.
Só mais um pedido, se o senhor me permite: dá pra deixar o treinador pelo menos uns três dias numa cela a pão velho e água quente? Só pra ele saber como é ruim viver dentro de uma jaula e ser privado de sua liberdade primordial. Muito obrigado, seu delegado. Eu sabia que o senhor iria me entender. Agora vamos indo e, quando o senhor passar lá pela selva, dê uma paradinha, sempre tem sombra e água fresca e o senhor será bem-vindo.
Ana Cardilho é escritora e jornalista. Com um olho na realidade e outro na prosa imaginária conta com mais de 20 anos de experiência em rádio e TV, tendo feito reportagens, edição e fechamento de telejornais e programas, e é ficcionista.

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