Mesmo no cenário otimista, a espécie deve perder 99,8% do habitat adequado em 2050. Ou seja, terá apenas 0,2% ou 1,74 km² para sobreviver. O que é pouco maior do que a área do Parque Ibirapuera, em São Paulo.

Se alguma população resistir, em 2070 o número é ligeiramente melhor no cenário otimista, com “apenas” 92,8% da floresta com condições impróprias para o macaco-de-cheiro.

Já no cenário pessimista de emissões, em 2050 a perda de habitat estimada é de 90,7%. Entretanto, em 2070, a previsão é que 100% do lar do macaco esteja inadequado para sua sobrevivência.

Perder a adequabilidade ambiental significa que os elementos do ambiente que compõem hoje o habitat em que a espécie se adaptou para sobreviver serão perdidos ou alterados.

As mudanças nos regimes de chuva, na sazonalidade dos rios, assim como os eventos extremos mais frequentes afetarão a frutificação das árvores, que poderá ficar comprometida, assim como a sobrevivência de plantas mais sensíveis, o que terá um efeito direto na alimentação do macaco-de-cheiro, cuja dieta é baseada em frutas e insetos. Além disso, o primata deve sofrer, em especial durante secas severas, pelo aumento da temperatura e falta d’água.

Num contexto natural, onde as mudanças climáticas seguem um ritmo gradual e lento, talvez a espécie tivesse alguma chance de migrar para tentar sobreviver em outras áreas ou até mesmo de se adaptar às novas condições do seu ambiente. No passo veloz do Antropoceno, porém, onde as ações humanas aceleram as mudanças no clima e seus impactos, as chances são poucas para o macaco.

“As mudanças climáticas são um somatório de efeitos. Não é só o aquecimento global ou uma seca. O próprio ciclo da água é o que direciona toda a dinâmica não apenas florestal, mas da reprodução dos bichos, que normalmente reproduzem um pouco antes da abundância de alimentos que é a frutificação, para poderem carregar os filhotes e amamentar. Tudo isso acaba sendo afetado pelas mudanças climáticas”, destaca a pesquisadora do Instituto Mamirauá, Anamélia Jesus.

O alerta sobre o futuro da espécie fez com que o S. vanzolinii subisse de categoria de ameaça na última avaliação nacional do ICMBio sobre o estado de conservação da fauna, indo de Vulnerável para Em Perigo.

A avaliação alerta ainda sobre o impacto de cheias acima da média. “Modelos hidrológicos de alteração do regime de inundação preveem que toda a extensão de ocorrência da espécie poderá ser inundada no futuro”, detalha a avaliação do ICMBio, assinada por um time de pesquisadores de diferentes instituições.

A espécie 

O macaco-de-cheiro-da-cabeça-preta (Saimiri vanzolinii) foi descrito para ciência apenas em 1985 pelo primatólogo José Márcio Ayres, pesquisador responsável também pela criação da RDS Mamirauá. O nome científico da espécie é uma homenagem ao compositor e zoólogo paulistano Paulo Vanzolini, orientador de Ayres e companheiro durante várias viagens à região. Já o nome popular é uma referência à característica que distingue facilmente essa espécie das demais: a cor preta na parte superior da cabeça, ao invés do típico tom castanho, que aumenta o contraste com o branco do rosto e da barriga. Nas mãos, luvas douradas sobem até a altura dos cotovelos. Com cerca de 30 centímetros de comprimento, são animais diurnos que vivem em bandos numerosos que podem chegar a duzentos indivíduos.

Sem lugar para ficar, sem lugar para ir

A modelagem climática foi concluída em 2022 e está em fase final de ajustes para publicação em artigo. Para fazer a projeção da distribuição do macaco-de-cheiro-de-cabeça-preta, foram consideradas as condições ambientais e climáticas adequadas à espécie, junto aos cenários de emissão de gases de efeito estufa reconhecidos pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês).

“Nós usamos diferentes tipos de dados. Os biológicos, de ocorrência da espécie, que foram coletados por nós em pesquisas de longo prazo do Instituto. As variáveis ambientais relevantes direta e indiretamente para espécie, como solo, topografia e vegetação. E os modelos climáticos de previsão de mudanças climáticas no futuro”, explica Rafael Rabelo, pesquisador responsável pela modelagem.

Por meio do cruzamento desses dados é construído um primeiro modelo que aponta quais são as áreas preferenciais da espécie, ambientalmente e climaticamente adequadas no presente. “Depois que esse modelo é validado, mantemos as mesmas variáveis ambientais, substituindo as variáveis climáticas pelas do futuro, e assim conseguimos investigar onde vão estar as condições adequadas para espécie no futuro”, completa o coordenador do Instituto Mamirauá.

Com isso, além de quantificar a perda, os pesquisadores puderam estimar os eventuais ganhos de adequabilidade. Ou seja, os locais que, com as mudanças do clima, deverão se tornar adequados para a sobrevivência do S. vanzolinii em 2050 e 2070. E descobriram que a região ao noroeste de onde a espécie ocorre hoje terá condições melhores para a espécie.

A notícia, porém, não é exatamente uma solução.

Porque as porções de floresta que passarão a ser adequadas para o pequeno primata de cabeça preta já têm dono. Mais especificamente outra espécie de macaco-de-cheiro: o Saimiri macrodon. Parente do mesmo gênero que ocupa o mesmo nicho ecológico e compete pelos mesmos recursos.

“Se nós pudermos assumir que essa espécie consegue naturalmente migrar, ou seja, perseguir essas condições climáticas ao longo do tempo, podemos ter um fio de esperança que a espécie pode conseguir persistir. Mas essas premissas são muito difíceis de assumir. Primeiro porque as mudanças climáticas estão ocorrendo numa velocidade muito rápida, então não sabemos se a espécie vai conseguir ter tempo de resposta. E segundo porque nesse local em que a espécie vai encontrar, potencialmente, condições climáticas adequadas no futuro é o local onde atualmente já existe outra espécie, que seria um potencial competidor”, analisa Rafael.

Diferente do cabeça-preta, o Saimiri macrodon – que popularmente é conhecido apenas como “macaco-de-cheiro” – possui uma distribuição ampla, mais de 40 mil vezes maior que a do vanzolinii, que inclui Amazonas, Acre e transpõe as fronteiras nacionais até a Amazônia colombiana, equatoriana e peruana. O que indica uma capacidade maior de adaptabilidade aos ambientes do que o restrito Saimiri vanzolinii.

Na outra margem do rio Japurá, também já há dono e um segundo macaco-de-cheiro competidor, o Saimiri cassiquiarensis.

“Nós estamos vendo literalmente a espécie sendo extinta. E talvez a gente não tenha que fazer nada para reverter esse processo porque é o típico caso onde podemos tentar reverter a extinção e gerar outro tipo de desequilíbrio ecológico. As incertezas são muito grandes”, aponta o coordenador de pesquisa do Instituto Mamirauá.

Um macaco diante do fim do mundo

Acompanhar os impactos das mudanças climáticas na fauna da floresta alagada é um dos objetivos do censo de primatas da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, que teve início em maio deste ano. ((o))eco foi até o município de Tefé (AM), onde acompanhou em campo o início do trabalho na área protegida.

O censo é executado pela pesquisadora do Instituto, Anamélia Jesus. É ela quem, com binóculos na mão e ouvidos treinados, avisa, “ali, é ele”. Olho na direção que ela aponta, no alto de uma árvore a pelo menos uns 30 metros de nós, e por alguns segundos vejo apenas folhas se mexendo. Meu coração bate acelerado. De repente, uma silhueta. Mesmo sem conseguir ver a cabeça preta característica, não há dúvidas, lá está o Saimiri vanzolinii, com seu corpo pequeno, magro e ágil, cauda fina e longa.

Um, dois, três… vejo quatro passando de uma árvore para outra. Tendo aprendido tudo que essa reportagem exigiu, eu me emociono com a ideia de que estou diante de um animal que pode não existir mais daqui a trinta anos.

No decorrer da trilha aquática do censo, vi mais de vinte indivíduos da espécie. Cada vez que o pequeno primata aparecia, era atravessada por dois pensamentos: o de quão abundante a espécie é atualmente, numa vida sem ameaças como a caça ou o desmatamento; e o de quão frágil tudo isso é, diante de uma ameaça global e invisível, que não respeita limites de áreas protegidas, como as mudanças climáticas.

Percorri com Anamélia as trilhas Urucurana e Iuiry, que formam o circuito do censo. No final de maio, pleno auge da cheia, o trajeto foi feito de canoa. A pesquisadora seguia na frente, acompanhada de dois assistentes de campo. Eu ia numa canoa menor logo atrás, dividida com o fotógrafo do instituto, Miguel Monteiro, e um dos assistentes mais experientes da reserva, seu Eziel, morador da RDS.

O trabalho deu início ao censo rápido de primatas da RDS Mamirauá, que será realizado anualmente, tanto na cheia quanto na seca. Além do macaco-de-cheiro, encontramos grupos do emblemático uacari-branco (Cacajao calvus), do macaco-prego (Sapajus apella) e do guariba-vermelho (Alouatta juara).

O censo segue o método RAPELD – Inventários Rápidos em Projetos Ecológicos de Longa Duração, em tradução livre. O objetivo é ser capaz de avaliar, de forma rápida, a presença das espécies na área protegida. São duas campanhas por ano, de dois dias cada, uma no auge da cheia e outra no pico da seca.

“A ideia é entender as taxas de encontro [com as espécies] ao longo dos anos. E a partir do próximo ano, iremos cruzar esses encontros com dados ambientais para que possamos entender também como esses animais se distribuem nesse gradiente ambiental e ter informações suficientes para modelar e tentar prever o que pode acontecer com elas no futuro”, conta Anamélia.

A cada avistamento em nossa trilha, a pesquisadora anotava tudo rápido em seu bloco de notas. Ali estão informações sobre qual a espécie avistada, horário do encontro, a posição e distância em relação à trilha, número de indivíduos e até o sexo deles, se ela puder identificar.

O cabeça-preta foi o mais presente. Num único dia, mesmo com meus olhos destreinados, vi pelo menos sete grupos e ainda flagrei uma mãe com filhote. De acordo com a pesquisadora, a média é de 6,3 encontros por dia em cada trilha ou 1,3 encontros por quilômetro. E um único grupo pode ter entre 50 e 200 indivíduos.

Números que não combinam com o anúncio de extinção iminente, mas que reforçam a vulnerabilidade dessa população aparentemente tão saudável e abundante.

Entre 2009 e 2013, o Instituto Mamirauá realizou uma pesquisa de monitoramento da espécie que constatou que a população de macacos-de-cheiro-da-cabeça-preta se mantinha estável. Desde então, não foram feitos novos estudos sobre a situação populacional do primata.

Na época, pesquisadores estimaram a população em cerca de 400 indivíduos por km², o que corresponderia a cerca de 350 mil macacos-de-cheiro-de-cabeça-preta em toda a distribuição da espécie.

“Naquele momento, naquele local, a população era grande e não era uma fonte de preocupação, desconsiderada a questão climática. Inclusive é importante ressaltar o papel efetivo da RDS Mamirauá para conservação da espécie”, destaca Fernanda Paim, pesquisadora responsável pelo monitoramento entre 2009 e 2013, atualmente professora na rede pública estadual do Rio Grande do Sul.

O principal problema, reforça Paim, é o habitat limitado da espécie, que a deixa vulnerável a qualquer evento climático e catastrófico que possa ocorrer na área. “As mudanças climáticas são uma realidade, isso está evidenciado no planeta inteiro, na Amazônia não é diferente. A espécie vai perder todo o habitat dela num futuro bem próximo. Pode ser que alague de tal forma que a espécie não tenha para onde ir”, comenta.

Efeito dominó

“A produtividade de frutos na região vai ser afetada, assim como a de insetos, e isso vai impactar diretamente a espécie, porque estamos falando da dieta deles. E no longo prazo vai gerar um declínio na população. Não é que os bichos vão morrer rapidamente, mas vão ter o estresse, que provavelmente vai causar mudanças nas taxas de reprodução da espécie e com o tempo vão parar de reproduzir e ser extinta”, explica Fernanda Paim.

Estima-se que as áreas inundáveis cubram cerca de 700 mil km² da Bacia Amazônica. E ao longo dos grandes rios amazônicos, muitas áreas de floresta são regularmente inundadas junto com as cheias. Esses locais recebem o nome de florestas alagadas, florestas de várzea e igapós.

Na região da RDS Mamirauá, o nível do rio varia em média 11 metros entre a cheia e a seca.

A área onde o Saimiri vanzolinii ocorre possui um relevo mais baixo, portanto sujeita a uma duração de inundação maior e que naturalmente fica alagada por mais tempo. E dentro desse ambiente, a espécie prefere um tipo de floresta mais aberta, o chavascal, que fica em terrenos constantemente alagados, mesmo durante a seca, porque ocorrem em solos mais argilosos e alagadiços.

“Como essa área é mais sensível, com menos espécies de árvores, essa área está sujeita aos efeitos das secas e cheias extremas, principalmente as secas. Porque se você tem um evento extremo, ela vai afetar justamente as espécies de plantas que estão adaptadas à essa condição de sazonalidade do regime de cheia e seca”, contextualiza o coordenador do Instituto Mamirauá, Rafael Rabelo.

A tendência é que eventos extremos climáticos tornem-se cada vez mais comuns na região. Nos anos de 2023 e 2024, a região da RDS Mamirauá foi palco de secas severas seguidas que fizeram com que mesmo o vasto rio Solimões desaparecesse em alguns pontos, comprometendo não apenas a biodiversidade, mas também a vida das comunidades ribeirinhas que dependem dos rios para alimentação, transporte e acesso a serviços básicos, como educação e saúde.

O engenheiro ambiental e hidrólogo Ayan Fleischmann, pesquisador titular do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, e coordenador do Grupo de Pesquisa em Geociências e Dinâmicas Ambientais na Amazônia, explica que a emergência climática não é apenas a seca.

“A emergência climática se manifesta com uma sinergia de desastres diferentes que acontecem às vezes simultaneamente, às vezes em sequência. O que nós temos na Amazônia Central nos últimos anos é uma aceleração do ciclo hidrológico, com cheias mais extremas e secas mais extremas acontecendo”, diz.

Ao mesmo tempo em que houve secas extremas em 2023 e 2024, em Manaus (AM), onde o rio Solimões se encontra com o Negro, desde 2009 foram registradas sete das dez maiores cheias do último século.

“Só que a inundação não é só o nível da água que sobe. Fica mais tempo inundado e ambientes que não se conectavam, com a inundação passam a se conectar. Tem uma mudança no padrão de inundação durante o período da cheia e na seca você tem uma redução muito drástica da superfície de água. São dois fenômenos diferentes que vão afetar as espécies de formas distintas. Na vegetação tem espécies que não toleram tanto tempo de inundação”, continua.

O pesquisador acrescenta que há ainda o fenômeno de cheias mais fracas, abaixo da média, que faz com a floresta de várzea não alague, o que impacta muitas espécies. “O pirarucu bota o ninho na floresta de várzea, por exemplo. Se não alagar por dois anos seguidos, isso pode ter impactos ecológicos em cascata. E tem a temperatura, que é outro processo. Quando há temperatura do ar e da água mais altas. Botos morrem com temperatura muito elevada da água, nós vimos isso no Lago Tefé. A temperatura do ar mais quente afeta o macaco-de-cheiro e outros animais, além da vegetação. São vários processos que acontecem em sinergia”, completa Ayan.

O canário na mina

Longe de ser uma vítima solitária, o macaco-de-cheiro-de-cabeça-preta pode ser o “canário da mina” das mudanças climáticas, aquele cuja morte – ou nesse caso extinção – alerta para um problema muito maior que está apenas começando.

Apesar da modelagem ter sido feita com foco apenas nas preferências ambientais da espécie, ela indica alterações significativas na porção de florestas alagadas das quais dependem não apenas o macaco-de-cheiro.

“Nós já temos percebido que nessa parte da reserva, onde há condições ambientais bem distintas das regiões adjacentes, essas mudanças representam uma série de outras coisas. O S. vanzolinii acaba sendo uma espécie-bandeira, ou sentinela, de impactos que podem atingir outras espécies que ocorrem preferencialmente ou exclusivamente nessa região de florestas alagadas”, explica Rafael Rabelo.

O uacari-branco, espécie emblemática para criação da reserva e dono de um visual inesquecível, com o corpo coberto de pelos brancos, cabeça vermelha e rabo curto, é uma das espécies que sobrevivem exclusivamente em florestas alagadas.

A RDS Mamirauá abriga porções significativas deste tipo de ambiente e possui um alto índice de endemismo, ou seja, um grande número de espécies que são encontradas apenas no território da área protegida.

“Obviamente que podemos esperar em maior ou menor grau os impactos dessas mudanças climáticas em algumas espécies, mas certamente os impactos não vão se restringir ao S. vanzolinii. Outras espécies da região também podem sofrer impactos das mudanças climáticas no futuro”, completa o coordenador de Pesquisa e Monitoramento.

Um plano para salvar os primatas amazônicos

Saimiri vanzolinii é uma das 13 espécies ameaçadas atualmente contempladas pelo Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação dos Primatas Amazônicos, que deu início em maio deste ano ao seu 2º ciclo, com vigência até 2030.

Com o objetivo de reduzir o risco de extinção das espécies, o primeiro ciclo do PAN, realizado entre 2017 e 2023, teve como um dos objetivos específicos gerar conhecimento sobre os impactos e formas de minimizar os efeitos das mudanças climáticas sobre as espécies-alvo, pensando especialmente no macaco-de-cheiro-da-cabeça-preta.

“Com certeza é a espécie de primata amazônico que sofrerá os impactos dessas mudanças de forma mais drástica”, aponta a coordenadora do PAN Primatas Amazônicos, Renata Azevedo, analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio).

No segundo ciclo, o grupo manteve um objetivo específico voltado a compreender os impactos das mudanças climáticas e ao desenvolvimento de estratégias de mitigação, conta a pesquisadora. “E especialmente para o S. vanzolinii há uma ação para elaborar um plano de contingência para atuação emergencial para mitigar os impactos de eventos extremos (incêndios, inundações, secas)”, explica Azevedo.

O grupo de especialistas também deverá discutir a necessidade de estabelecer uma população de segurança para espécie em cativeiro, adianta a analista. Atualmente, não há nenhuma população ou mesmo indivíduo de S. vanzolinii mantido em cativeiro com fins de pesquisa e conservação.

Documentaristas do fim

No Brasil, país com maior diversidade de primatas do mundo, mais de um quinto das espécies estão sob algum grau de ameaça de extinção. Entre a lista dos motivos mais comuns estão o desmatamento, a consequente perda e fragmentação de habitat, além da caça e tráfico. Outras espécies sofrem ainda com doenças, atropelamentos ou a disputa com invasores. Apesar de desafiadores, todos são problemas que podem ser endereçados por políticas públicas e iniciativas locais, regionais ou nacional.

No caso do macaco-de-cheiro-da-cabeça-preta, a ameaça vêm de um contexto global e de decisões que não cabem, tampouco, apenas ao Brasil.

“Essa é a grande questão com o S. vanzolinii. Porque a espécie de fato não sofre ameaça daqueles fatores que nós encontramos normalmente como desmatamento, caça… Essa espécie é ameaçada por conta da distribuição restrita e das mudanças climáticas. E quanto a isso, conseguimos vislumbrar poucas possibilidades de manejo para conservação da espécie”, avalia Rafael Rabelo.

“Hoje em dia eu tendo a achar que o melhor que podemos fazer é, infelizmente, documentar esse processo de extinção e tentar aprender ao máximo com ele para que a gente possa ter condições melhores de manejar espécies com cenários parecidos no futuro”, admite o coordenador de pesquisa do Instituto Mamirauá.

Para a bióloga Anamélia Jesus, a sensação é de impotência. “Para mim, sinceramente e pessoalmente, significa um pouco da impotência que a gente tem como pesquisador frente às mudanças climáticas. São muito mais rápidas do que a própria ciência consegue caminhar e descobrir. Tanto novas espécies quanto soluções para frear, diminuir ou adiar o fim do mundo”, desabafa.

Fonte: O Eco