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DESTRUIÇÃO DE HABITAT

Macaco mais raro do mundo tem o futuro ameaçado por escavação de ouro avaliada em bilhões de dólares

Os orangotangos de Tapanuli sobrevivem apenas na floresta tropical de Sumatra, na Indonésia, onde a expansão de uma mina irá atravessar seu habitat. No entanto, a mineradora afirma que a alternativa será pior.

9 de dezembro de 2025
Glória Dickie
9 min. de leitura
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Foto: Nature Picture Library/Alamy

Uma pequena linha marrom serpenteia pela floresta tropical no norte de Sumatra, abrindo caminho por 300 metros através de densos bosques de merantis, carvalhos e mahuas. Captada por satélites, a estrada de acesso – embora modesta agora – em breve se estenderá por 2 km para se conectar com a mina a céu aberto de Tor Ulu Ala, um projeto de expansão da mina de Martabe, na Indonésia. A estrada ajudará a desbloquear valiosos depósitos de ouro, que valem bilhões de dólares no atual mercado em expansão. Mas essa riqueza pode ter um alto custo para a vida selvagem e a biodiversidade: a extinção do orangotango de Tapanuli, o primata mais raro do mundo.

A rede de estradas de acesso planejada para essa faixa de floresta tropical atravessará um habitat crucial para a sobrevivência dos orangotangos, dizem os cientistas. O tapanuli (Pongo tapanuliensis), espécie exclusiva da Indonésia, só foi reconhecida como tal pelos cientistas em 2017 – distinta dos macacos de Sumatra e Bornéu. Hoje, restam menos de 800 tapanulis em uma área que representa apenas 2,5% de sua distribuição histórica. Todos são encontrados no frágil ecossistema de Batang Toru, em Sumatra, limitado em seu flanco sudoeste pela mina de Martabe, que iniciou suas operações em 2012.

“Este é definitivamente o lugar errado para se procurar ouro”, diz Amanda Hurowitz, coordenadora da equipe de commodities florestais da Mighty Earth, uma organização sem fins lucrativos de conservação que monitora os desdobramentos na mina a céu aberto. “E para quê? Para que montanhas de barras de ouro fiquem armazenadas nos cofres dos países mais ricos do mundo.”

De acordo com a Mighty Earth, dezenas de ninhos de orangotangos estão localizados nas proximidades da área de expansão planejada da mina. No final de setembro, teve início a construção de novas estradas de acesso pela floresta ao redor da mina de Martabe, segundo a PT Agincourt Resources, subsidiária da multinacional britânica Jardine Matheson, que opera a mina. Uma das novas estradas, que atravessa uma área de mata secundária, já está a apenas 70 metros de um conjunto de ninhos de orangotangos, afirma a Mighty Earth.

Para a Jardine Matheson, que adquiriu a mina em 2018, a expansão é crucial para seus resultados financeiros. Em 2020, a empresa anunciou que abriria uma nova cava e construiria a infraestrutura necessária para alcançar pelo menos 460.000 onças adicionais de ouro escondidas em Tor Ulu Ala. A mineração de ouro está se intensificando em todo o mundo, à medida que as empresas correm para capitalizar os preços próximos aos recordes históricos. Com a cotação atual de mais de US$ 4.000 (R$ 17.000) por onça, Tor Ulu Ala poderia gerar quase US$ 2 bilhões.

“Embora compreendamos as preocupações de alguns críticos, sem a mina, que atualmente é a fonte de renda para aproximadamente 3.500 funcionários – 70% dos quais são moradores locais que dependem da operação da mina – a alternativa será pior”, afirma Ruli Tanio, vice-presidente da PT Agincourt. “Como mineradores responsáveis, podemos proporcionar alguma oportunidade para o orangotango em termos de financiamento.”

Mas muitos cientistas discordam, afirmando que a expansão da mina pode levar os orangotangos de Tapanuli, criticamente ameaçados de extinção, à extinção em poucas gerações. Mesmo a remoção de apenas 1% da população por ano acabaria por levar à extinção, dizem eles, já que os orangotangos se reproduzem apenas a cada seis a nove anos.

“Não é preciso muito – especialmente se começarem a matar fêmeas de orangotango – para que a população entre em extinção”, afirma o antropólogo biológico Erik Meijaard, diretor da consultoria científica Borneo Futures e um dos primeiros especialistas a descrever a espécie.

As preocupações com a decisão da Jardine Matheson de prosseguir com a expansão da mina – sem um plano acordado para reduzir os impactos na bacia do Tapanulis – ultrapassaram os limites da comunidade científica. No ano passado, o fundo soberano da Noruega, com um patrimônio de US$ 1,6 trilhão, vendeu suas participações em três empresas do grupo Jardine, alegando preocupações com a responsabilidade da empresa por “graves danos ambientais”.

Os tapanulis, com seus pelos crespos cor de canela e rostos largos, não são apenas os orangotangos mais raros, mas representam a linhagem mais antiga de todas as espécies de orangotangos – descendentes dos primeiros orangotangos ancestrais que chegaram a Sumatra vindos da Ásia continental há mais de 3 milhões de anos.

Em Batang Toru, os últimos remanescentes da espécie habitam apenas três populações – o bloco oeste, o bloco leste e a reserva Sibual-buali – espalhadas por uma área de floresta montanhosa aproximadamente do tamanho do Rio de Janeiro. (No início deste ano, cientistas confirmaram a descoberta de um pequeno grupo isolado de tapanulis vivendo em um pântano de turfa a cerca de 32 km (20 milhas) de Batang Toru.)

“Supomos que [o Tapanuli] era realmente muito comum há algumas centenas de anos”, diz Meijaard. Mas a caça insustentável e a fragmentação da floresta levaram os últimos exemplares da espécie a buscar refúgio nas altitudes mais elevadas de Batang Toru.

Mesmo antes da proposta de expansão da mina, o orangotango Tapanuli já estava ameaçado pelo desenvolvimento. Um projeto hidrelétrico de propriedade chinesa está sendo construído no rio Batang Toru, que flui de norte a sul ao longo do lado leste do ecossistema. A barragem afetaria uma área que abriga a maior densidade de orangotangos Tapanuli – cerca de 42 indivíduos –, de acordo com uma avaliação de 2019 publicada no periódico da Sociedade para a Biologia da Conservação.

A expansão da mina de Martabe representa mais um golpe, pressionando os macacos por outro lado. “O orangotango de Tapanuli realmente não pode suportar nenhuma perda”, diz Meijaard.

A mina de Martabe foi estabelecida em 2008, perto do bloco ocidental de Batang Toru, onde se estima que vivam 533 tapanulis. A área da mina abrange cerca de 650 hectares (1.600 acres), com 2 hectares situados dentro da “área-chave de biodiversidade” do ecossistema de Batang Toru, designada por ONGs de conservação da Aliança para a Extinção Zero.

A PT Agincourt afirma que expandirá a mina em cerca de 250 hectares (617 acres) até o final da vida útil operacional de Martabe, em 2034, construindo não apenas a nova cava e estradas de acesso, mas também uma grande instalação de gerenciamento de rejeitos. Esse crescimento inclui o desmatamento de mais 48 hectares de floresta primária na área de biodiversidade chave. A empresa também afirma que está destinando uma zona de conservação de 2.000 hectares dentro de sua concessão, além de criar outra área protegida de compensação a cerca de 40 km do local da mina.

“Sem a receita [da mineração] dessa pequena área, será muito difícil realizar o trabalho de conservação e restauração planejado”, afirma Christopher Broadbent, consultor de sustentabilidade da PT Agincourt, com sede no Reino Unido. “Se a mineradora abandonasse o local, as consequências não intencionais seriam quase certamente desastrosas para o orangotango.”

A PT Agincourt estima que a expansão de sua mina afetará direta ou indiretamente entre seis e doze orangotangos. Tanio afirma: “Ao longo de nossos 13 anos de operação, não houve nenhum caso de morte de orangotango diretamente relacionada às atividades de mineração.

“A ideia de que uma mina pode matar um orangotango diretamente provou ser completamente falsa.”

Mas estudos mostram que mesmo os efeitos indiretos podem ser devastadores. As fêmeas de orangotango são particularmente sensíveis à perda de habitat, pois tendem a não se deslocar quando perdem partes de sua área de vida, ficando vulneráveis ​​à inanição. A PT Agincourt afirma que o desmatamento ocorrerá lentamente, dando tempo para que os orangotangos se mudem.

“Não sabemos o suficiente para afirmar que todo orangotango que se desloca encontrará uma nova floresta para chamar de lar”, diz Phil Aikman, diretor de campanhas da Mighty Earth. Alguns estudos sugerem que aproximar os grupos de orangotangos levará a tensões sociais e conflitos. “A grande preocupação aqui é que as medidas de mitigação podem ou não funcionar.”

Nos últimos cinco anos, ambientalistas e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) têm pressionado para adiar novas construções até que um plano mutuamente acordado seja implementado para proteger o Tapanuli. Por um período, a Jardine Matheson concordou voluntariamente com uma moratória na construção, colaborando com o grupo de trabalho Evitar, Reduzir, Restaurar e Conservar (ARRC) da UICN, que assessora empresas sobre como evitar habitats de primatas e reduzir impactos. Mas esse acordo expirou em dezembro de 2022.

A primatóloga Genevieve Campbell, que lidera a força-tarefa, afirma que a Jardine Matheson tornou impossível o prosseguimento do projeto, pois não conseguiu compartilhar os dados brutos, incluindo os dados do levantamento de orangotangos dentro da área de concessão da mina. A Jardine alega que o governo indonésio impediu a empresa de compartilhar essas informações.

Mas essa relação melhorou nas últimas semanas. Em novembro, a PT Agincourt Resources assinou um novo memorando de entendimento condicional com a força-tarefa da ARRC, permitindo que seus cientistas fornecessem contribuições independentes sobre os planos de desenvolvimento da mina e a estratégia de mitigação.

A PT Agincourt informou ao Guardian que suspenderá temporariamente a construção da estrada por três semanas para permitir que a IUCN conclua sua avaliação. As zonas de proteção planejadas, bem como um novo centro de pesquisa de orangotangos financiado pela mineradora, significam que “Tapanuli ficará em melhor situação com a mina”, afirma Tanio.

Campbell discorda que o impacto geral da mina será positivo para os tapanuli. “Não se pode afirmar que qualquer espécie de grande primata esteja melhor com a mineração do que sem ela.”

Para Meijaard, poucas coisas podem realmente compensar os efeitos da mina sobre os orangotangos.

“Você pode plantar 10.000 hectares de floresta com muitas árvores frutíferas… assim os orangotangos potencialmente teriam para onde ir. Você pode forçá-los a migrar rapidamente ou lentamente. Mas ainda assim estará os colocando em competição com outros orangotangos em uma área que, ecologicamente, é bastante restrita para a espécie.”

“Se realmente queremos proteger a espécie, temos que almejar zero perdas”, afirma.

Traduzido de The Guardian.

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