A história da macaca-aranha de testa branca Chicó expõe com clareza os impactos devastadores do cativeiro e da exploração de animais silvestres retirados de seu habitat natural. Por duas décadas, Chicó viveu em um bar de beira de estrada em Sorriso, no Mato Grosso, submetida a maus-tratos diários. Era forçada a consumir álcool e fumar narguilé, práticas que a afastaram completamente de sua natureza e a marcaram com sequelas físicas e emocionais profundas.
Resgatada pelas autoridades, ela passou inicialmente por atendimento no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Mato Grosso e, em 2021, foi encaminhada ao BioParque Vale Amazônia, no Complexo de Carajás, no Pará. Ali, tornou-se um dos casos mais desafiadores da equipe de especialistas, pois não reconhecia outros indivíduos de sua própria espécie. Chicó só havia convivido com humanos, provavelmente após ter sido capturada ainda filhote, quando caçadores mataram sua mãe. Sem referências de comportamento natural, ela sequer sabia usar a cauda para se locomover e não entendia a dinâmica de um grupo de macacos-aranha.
No início do processo de reabilitação, Chicó apresentava sintomas de abstinência do álcool, dificuldades motoras e isolamento social. Para ajudá-la, os técnicos do bioparque realizaram exames clínicos e criaram estratégias graduais de aproximação, colocando-a em contato visual e depois físico com outros indivíduos da espécie. Foram três meses até que ela conseguisse superar o medo e fosse aceita pelo grupo liderado por uma fêmea chamada Mariana. Aos poucos, Chicó começou a emitir vocalizações típicas, interagir com os demais animais e retomar movimentos mais naturais.
Mesmo com os avanços, especialistas explicam que os danos de 20 anos de privação e abuso são irreversíveis. Chicó não poderá retornar à floresta, pois não tem condições de sobreviver sozinha em ambiente natural. Sua história, infelizmente, não é um caso isolado. Desde que começou a atuar, o BioParque Vale Amazônia já recebeu mais de 400 animais resgatados em situações semelhantes. Apenas cerca de 100 conseguiram ser reintroduzidos na natureza. Os demais permanecem sob cuidados, muitos porque jamais aprenderam comportamentos básicos de suas espécies e, se fossem soltos, não conseguiriam se alimentar ou seriam facilmente predados.
Para além do acolhimento, esses espaços cumprem também um papel fundamental na preservação da biodiversidade. Animais como Chicó, que não podem voltar ao habitat, tornam-se parte de um importante banco genético, essencial para a sobrevivência de espécies ameaçadas ou já extintas em vida livre. Em Carajás, vivem atualmente não apenas macacos-aranha, mas também onças-pintadas amazônicas e do Cerrado, suçuaranas e aves como a arara-azul, em risco de extinção.
A trajetória de Chicó revela o sofrimento profundo imposto a animais silvestres usados como entretenimento e reforça a urgência de combater o tráfico e a exploração. Cada indivíduo retirado da floresta não perde apenas sua liberdade, mas sua identidade como parte da natureza. Chicó sobreviveu, mas carrega as marcas de uma vida inteira de abusos que poderiam ter sido evitados.