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Luiz Antonio e o polvo: uma verdade inconveniente

3 de junho de 2013
4 min. de leitura
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O vídeo do Luiz Antonio, que está circulando nas redes sociais, em diálogo com sua mãe é perfeito e irretocável. Não é à toa que Jesus disse aos discípulos que da boca das crianças sai o perfeito louvor. Depois de assisti-lo, eu complementaria: da boca das crianças saem as maiores, e em alguns casos, as inconvenientes verdades. Isto porque elas falam com o coração, com os sentimentos, não têm vergonha de perguntar, não se preocupam em falar corretamente e nem querem impressionar. Para quem ainda não assistiu, veja abaixo:

Diante do prato de comida e da ordem da mãe – come seu nhoque de polvo! Ele parou. Alguma coisa não estava certa. Comer o polvo? Esta seria até uma possibilidade, desde que o polvo não fosse de verdade. Por um momento ele hesitou, confiando que sua mãe tinha juízo e não iria oferecer polvo de verdade para ele, afinal, aquele, ali no seu prato, “nem fala e nem cabeça tem”. Mas quando sua mãe diz que é de verdade, que está sem cabeça e que o nhoque são suas perninhas picadas, ele quer saber sobre a cabeça do polvo. Está no mar? Queria acreditar que o polvo ainda estaria vivo.  Sua mãe responde: “está lá na peixaria”.

Bom, se a cabeça está na peixaria e as perninhas viraram nhoque, ele quer saber sobre este processo. O moço cortou assim? Esta pergunta crucial ninguém se faz. Ninguém quer saber do como ou dos processos utilizados para que um animal, qualquer que seja, se transforme em “alimento”. Não é à toa que Paul Mc Cartney disse que “se os matadouros fossem de vidro a humanidade seria vegetariana”.

Como diz a mãe: O moço cortou para a gente comer, para ficar mais fácil, “igual corta o boi, corta a galinha”. Nesse momento Luís Antônio dá outra pausa como quem não estivesse acreditando no que estava ouvindo: “a galinha ninguém come também”. Em sua mente há uma conexão que ainda não foi perdida. A galinha é a galinha, aquela que cisca, que choca os ovos, que zela por seus pintinhos. A vaca é aquela que protege e cuida do seu bezerro; a porca amamenta seus filhotes e gosta de tê-los por perto. Luís Antônio não tem a menor dúvida que  ali está um ser que tem sua vida e quer continuar a viver.

“É os animais”. Por ser um animal, em sua mente, está subentendido que não se deve comer.  Sua mãe ainda o testa mais uma vez: para a gente poder comer, o animal precisou morrer. “E porque eles morrem”? insiste Luiz, numa clara demonstração de indignação com esta lógica que não lhe entra na cabeça. Então, ele demonstra compaixão: “Não gosto que eles morrem”. Tanto é verdade o seu sentimento que ele se recusa a comer. “Eu gosto que eles ficam em pé”, ou seja, vivos.  Sem entender ainda muitas coisas ele faz uma crítica ao antropocentrismo e uma defesa ao biocentrismo quando afirma: “Esses animais tem que cuidar deles e não comer”. Ele consegue perceber que os animais que são mortos para a gente comer são os mais frágeis e dóceis. Aproveitamos desta relação desigual para dominá-los e matá-los.

Na mente brilhante desta criança a vida está no centro das decisões e o animal humano, por ter a capacidade de pensar, antecipar, por ser um sujeito capaz de ser ético e moral, deveria ser o guardião, o mordomo e o cuidador-mor da natureza.

Em sua forma de pensar, animais é uma categoria ampla e envolve todos, não apenas o cachorro e o gato. Quem são os animais? Galinha;  polvo; peixe; vaca; porco etc. Para usar uma expressão de Gary Francione, Luís Antônio não sofre de esquizofrenia moral. Para ele não há separação entre animal para preservar, cuidar, amar, daqueles para teste, para comer, para servir de entretenimento etc. Todos são igualmente animais não humanos, sujeitos de uma vida, nossos companheiros de viagem neste planeta.

O vídeo não termina ali. A história de Luiz Antonio está nas mãos do adulto que hoje lhe é referência e que irá mediar seu contato com a cultura. A sua mãe criará meios para que seu filho sustente esta decisão de não comer animais? Irá fazer comidas gostosas, coloridas, nutritivas e vivas para que ele possa seguir em frente? Espero que sim. É totalmente possível e benéfico para as pessoas, para o planeta e para os animais. Muitos homens, mulheres, crianças e jovens estão construindo este caminho, redescobrindo sabores e ativando a conexão perdida com a natureza e com os animais. O que Luís Antônio nos diz é que nós não precisamos da morte, da privação e do sofrimento de outro ser para vivermos.

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