No início de setembro, um jovem tamanduá-mirim estava fugindo das queimadas no Distrito Federal (DF) quando foi atropelado em uma rodovia, de acordo com publicação do Hospital e Centro de Reabilitação da Fauna Silvestre do Distrito Federal (HFAUS-DF), onde ele foi acompanhado até sua recuperação. O mesmo ocorreu com um lobo-guará, que também fugia do fogo quando foi atingido por um carro. O tamanduá se recuperou e já voltou para a natureza, mas o lobo segue em reabilitação depois de ter uma placa metálica inserida em uma de suas pernas. Com o aumento das queimadas, histórias como essas têm se repetido.
“A gente tem notado um número maior de atropelamento de animais e a gente acredita que tem, sim, relação com as queimadas”, explicou Clara Costa, chefe substituta do Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em entrevista à Agência Pública. “Não são só os animais queimados que a gente atende durante as queimadas. Há um aumento de atropelamentos, colisão com vidraças, e mais animais aparecem dentro das casas e ficam presos”, acrescentou Thiago Marques, biólogo do HFAUS.
De acordo com o Cetas, os números de resgates de fauna ferida já aumentaram 14,5% entre janeiro e agosto deste ano no DF, em comparação com o mesmo período do ano passado. A diferença deve aumentar ainda mais, já que os dados não incluem o mês de setembro, quando incêndios consumiram 40% da Floresta Nacional de Brasília (Flona) e 1.473 hectares do Parque Nacional, além de outras regiões.
Os motoristas da capital perceberam o fenômeno: “Repassando: Pessoas queridas, uma [sic] alerta! Dirijam com cuidado extra! Muitos bichos desnorteados por vias próximas aos incêndios. Atrás da via entre Noroeste e W5, escapamos de atropelar um lobo guará que atravessou a rua desesperado e já vimos capivaras atropeladas na saída da L4. Os bichos estão desnorteados, com razão. Muito triste!”, disse uma mensagem apócrifa que foi compartilhada em grupos de WhatsApp após o início dos incêndios em setembro.
“Os incêndios promovem uma fuga dos animais para as áreas mais seguras. Às vezes, os animais podem querer migrar, por exemplo, da Flona para o Parque, e há uma ligação entre eles, ali na [rodovia] DF-001. Tem algumas passagens de fauna lá, porém elas não são suficientes ainda”, explicou Cláudia Rocha-Campos, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), que trabalha com mamíferos de médio e grande porte na Área de Proteção Ambiental (APA) do Planalto Central. As passagens de fauna buscam oferecer um caminho seguro, suspenso ou subterrâneo, para os animais atravessarem estradas.
A possibilidade de os animais fugirem do fogo para as estradas foi um dos fatores que levaram à elaboração de uma estratégia de distribuição de alimentos em diversos pontos da Floresta Nacional, de acordo com Clara Costa, do Cetas. “Como a fauna vai encontrar dificuldade para se alimentar, a gente ficou com esse receio deles começarem a evadir e irem justamente para essas áreas de risco [rodovias]”, explicou. Ela afirmou que a distribuição de alimentos continuará “até que venham as chuvas e comecem as rebrotas”, o que deve ocorrer no final de outubro.
Além da distribuição, o trabalho de recuperação da fauna, liderado pelo ICMBio, inclui também a busca e o resgate de animais. De acordo com Tânia Borges, diretora de veterinária do Zoológico de Brasília, que integra a equipe de buscas no Parque Nacional, o trabalho “envolve não só localização de animais, mas a identificação de rastros de fezes, pra gente saber a movimentação, se esses animais estão se alimentando, se as fezes são frescas”.
No Parque, o fogo foi controlado no final da semana passada, mas os brigadistas seguem em monitoramento e vigilância. “Tem áreas em que você não vê uma folha, realmente a vegetação está bem atingida”, explicou a veterinária. Além de ir a campo, Borges também participa do cuidado de um jovem macho de anta e de uma tamanduá-bandeira que foram resgatados com queimaduras nas patas.
Marques, do HFAUS, explica que um dos grandes desafios é estabilizar os animais, já que eles chegam debilitados. O hospital já registrou alguns óbitos pelo fogo, como o de um rato silvestre, que chegou com muito cheiro de fumaça, além da cauda e quatro patinhas queimadas, e uma cobra-corre-campo.
“Muitas vezes o pessoal liga o fogo, e somente esses animais a gente consegue ver, como o lobo-guará, o tamanduá-bandeira ou a anta. Mas esquecem que o ecossistema é formado por uma diversidade imensa de animais. As serpentes não conseguem escapar, nem os anuros [anfíbios] [(…)], e esses animais são fundamentais pro equilíbrio dos ambientes”, explicou.
Além do aumento no número geral de resgates, o Cetas constatou também um crescimento no número de filhotes, o que a chefe substituta atribui a “esse caos que a gente está vendo”. “Muitos caem do ninho, muitos desencontram da mãe, e aí vagam sozinhos e acabam sendo trazidos para cá”, explicou.
Fonte: Agência Pública