O Ministério da Agricultura prepara-se para fazer aprovar um diploma legal sobre animais domésticos em que limita a dois o número de cães permitidos por apartamento. No caso dos gatos, esse número sobe para quatro, não sendo porém permitido ter mais do que quatro animais por fogo, a não ser que haja um quintal ou que os bichos morem numa quinta.
Apesar de se limitar, neste aspecto, a actualizar a lei em vigor, que já proibia a existência de mais de três cães ou quatro gatos por apartamento, o projecto de diploma do ministério de Assunção Cristas traz grandes alterações à actual situação. Desde logo, explica uma docente da Universidade de Coimbra, Sandra Passinhas, porque quem hoje em dia quiser apresentar queixa por um vizinho ter mais animais do que o estabelecido deve invocar problemas sanitários ou relacionados com ruído. “É uma lei fraca”, observa a especialista. Já o futuro diploma “é uma lei forte: basta haver uma queixa para a respectiva câmara ter o dever de retirar do apartamento os animais em excesso”, independentemente dos incómodos que eles causem ou não à vizinhança.
“Se o texto legal for por diante nestes termos, iremos lutar para que seja revogado”, promete o presidente da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia, Jorge Cid, que teme as “gravíssimas implicações” que a proibição poderá acarretar para quem gosta de animais. “Imagine que possuo um casal de cães e que gostava de ter um filho deles. Tenho de matar o pai ou a mãe para poder tutelar um cachorro?”, interroga. A excepção à regra são os detentores de raças nacionais puras registradas, que podem alojar até dez animais nos prédios rústicos ou mistos para melhorarem o património genético. Uma prerrogativa que indigna a presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal, Maria do Céu Sampaio: “Discordamos que um criador possa alojar dez animais desde que salvaguarde a saúde pública e o bem-estar animal e qualquer pessoa que goste de animais e reúna as mesmas condições esteja proibida de o fazer.”
A Liga contesta o facto de não ter sido ouvida pela tutela para a elaboração deste código. Entre os parceiros consultados pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, entidade responsável pela elaboração do Código do Animal de Companhia, está o Clube Português de Canicultura. Aqui elogia-se o resultado obtido, até porque esta associação ajudou a tutela a definir algumas das linhas mestras do diploma. Quando ouviu falar no limite de dois cães por domicílio, o advogado Victor Veiga, consultor jurídico do clube e autor de dois livros sobre raças caninas, admite que a sua primeira reacção foi de rejeição. Hoje defende a opção como forma de reduzir as querelas entre vizinhos. “Em zonas de grande densidade urbana é evidente que esta limitação se justifica”, observa, acrescentando que não serão muitas as pessoas afectadas pela medida: “Dificilmente se vê na rua alguém com mais de três cães à trela.” Depois, sublinha, as novas restrições não se aplicam a quem já tiver um número superior de animais registrados ao abrigo da anterior lei. A jurista da Universidade de Coimbra tem, porém, muito menos certezas neste capítulo: “O código não o esclarece. E se a intenção fosse a de permitir essas situações a formulação do texto legal seria outra.”
O facto de ter conseguido fazer o Ministério da Agricultura aumentar o número de animais permitidos até seis no caso de raças não registradas, se a habitação dispuser de pelo menos de um quintal, é considerado uma vitória pelo representante dos canicultores. “Quem quer tutelar mais cães arranja maneira de ter uma casinha na província”, sintetiza.
As limitações são também aplaudidas pela Associação dos Médicos Veterinários dos Municípios, que entende que mesmo a manutenção do número de animais preexistentes deve, quando ultrapassar os limites da futura lei, ser sujeita a parecer vinculativo do veterinário municipal. “O limite do número de animais é fundamental no que respeita à segurança e bem-estar de pessoas e animais”, sublinham.
O Ministério da Agricultura recusou-se a explicar as suas intenções, tendo um dos seus assessores de imprensa, Daniel Pessoa e Costa, alegado que o diploma ainda não foi a Conselho de Ministros, não sendo, portanto, um documento fechado. Seja como for, já em Junho passado a Assembleia dos Açores lhe deu o seu voto favorável, em sede de apreciação da subcomissão de economia.
“Só no prédio onde moro, junto à Quinta das Lágrimas, há seis cães, que pertencem a dois apartamentos”, contabiliza Sandra Passinhas, que não põe, porém, em causa a legitimidade do Estado para aplicar estas restrições e admite a existência de casos em que uma imposição legal deste tipo possa fazer falta.
Para a associação Animal, que não compreende como é possível os regulamentos de condomínio passarem a poder estabelecer limites ao número de animais inferiores aos da lei, tudo deve depender da dimensão da habitação e das condições económicas dos tutores. Também a Ordem dos Veterinários se mostra absolutamente contrária à forma como o Ministério da Agricultura quer restringir o número de animais por domicílio. “Se houvesse uma limitação do número de animais por metro quadrado eu percebia. Desta forma é patético”, observa a bastonária, Laurentina Pedroso, para quem a lei em preparação não traz nenhuma melhoria em relação aos diplomas que se encontram actualmente em vigor. A mesma responsável deixa uma pergunta: “Alguém impede alguém de ter dez filhos?”
*Esta notícia foi escrita, originalmente, em português europeu e foi mantida em seus padrões linguísticos e ortográficos, em respeito a nossos leitores.
Fonte: Público Pt