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EXTERMÍNIO

Lideranças do agronegócio declaram "guerra" aos javalis em Santa Catarina

Mais de 120 mil javalis já foram mortos no estado entre 2019 e 2024, mas, ainda insatisfeitas, lideranças do agronegócio agora pedem mais liberdade para ampliar a caça.

1 de setembro de 2025
Júlia Zanluchi
3 min. de leitura
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Foto: Divulgação/IMA

Lideranças do agronegócio de Santa Catarina declaram “guerra” aos javalis em um artigo divulgado hoje (1º/09) pelo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado (Faesc), José Zeferino Pedrozo. No texto intitulado “Guerra aos javalis”, ele classifica a situação como “quase fora de controle”. O discurso defende o aumento da caça desses animais, tratados como “praga” e “ameaça” às lavouras e à pecuária catarinense.

Os javalis foram introduzidos no Brasil pela ação humana, inicialmente para caça e criação em cativeiro, e se adaptaram ao ambiente sem predadores naturais. A resposta do agronegócio, ao reduzir o tema a uma “guerra” contra animais, desconsidera os aspectos éticos, ambientais e de responsabilidade histórica pela presença da espécie.

Entre 2019 e 2024, mais de 120 mil javalis foram mortos em Santa Catarina, segundo dados divulgados no próprio artigo. Ainda assim, estima-se que existam mais de 200 mil indivíduos espalhados por 236 municípios. A solução adotada, centrada na caça, mostra-se ineficaz e cruel. Caçadas organizadas, além de provocar sofrimento aos javalis, muitas vezes resultam na morte de cães usados como instrumentos de perseguição, vidas igualmente descartadas na lógica da exploração.

A legislação estadual (Lei nº 18.817/2023) e a instrução normativa do Ibama (141/2006) autorizam o controle populacional, mas sob rígidas regras e apenas por caçadores licenciados. Na prática, a burocracia é criticada por lideranças do agro, que pedem flexibilização, abrindo caminho para uma escalada de violência contra a espécie.

O próprio setor que hoje clama por “guerra” foi responsável por criar o desequilíbrio ecológico. A expansão de monoculturas, a criação intensiva de animais e a supressão de habitats nativos aumentam a vulnerabilidade ambiental e a ocorrência de conflitos com espécies silvestres ou introduzidas. O javali, agora transformado em inimigo público, é consequência de um modelo que prioriza lucro imediato em detrimento do equilíbrio ecológico.

A retórica da “praga” reforça uma visão utilitarista da vida animal: seres vivos reduzidos a obstáculos econômicos. Mais do que proteger plantações ou a cadeia suína, o debate deveria considerar alternativas éticas e sustentáveis, como políticas de prevenção, pesquisa em controle não letal, restauração ambiental e responsabilização de quem introduziu a espécie.

A solução apresentada pela FAESC se mostra curta, violenta e míope, ao priorizar apenas o abate em massa dos javalis. Em vez disso, seria necessário investir em alternativas éticas e sustentáveis, como métodos contraceptivos não invasivos para o controle populacional, cercamentos eficazes e não letais que protejam as lavouras, pesquisas científicas que aprofundem o entendimento sobre a ecologia da espécie e formas de manejo do conflito.

Enquanto a resposta permanecer centrada na caça e morte dos javalis, Santa Catarina seguirá repetindo o ciclo de violência que não resolve a questão. É uma crise ecológica e ética de responsabilidade humana, sintoma de um modelo que vê a natureza e seus habitantes como recursos a serem explorados ou obstáculos a serem eliminados.

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