Em uma decisão que despreza os direitos animais e os alertas científicos, os ministérios da Pesca e do Meio Ambiente liberaram a caça industrial do tubarão-azul (Prionace glauca), uma espécie já classificada como vulnerável no Atlântico Sul e com populações em declínio global. A Portaria Interministerial nº 30/2025, assinada em 17 de abril, ignora críticas de ambientalistas, pesquisadores e até de técnicos do próprio Ibama, que alertam: a medida pode acelerar a extinção da espécie e desequilibrar ecossistemas marinhos.
A medida abre as portas para que frotas industriais encham seus porões com tubarões-azuis, incluindo fêmeas grávidas e filhotes em áreas de berçário. A Sea Shepherd Brasil denuncia que a decisão foi tomada sem esperar pareces científicos obrigatórios, como a avaliação de impacto exigida pela Convenção CITES, que regula o comércio internacional de espécies ameaçadas.
O tubarão-azul está na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), que classifica sua tendência populacional como “em declínio” e “em grande parte esgotado” a nível global. No Brasil, estudos indicam queda de aproximadamente 10% da sua população por ano, o que resultaria em um declínio de cerca de 60% em uma década.
Além do risco ecológico, há um perigo silencioso à saúde pública. Estudos da Fiocruz já comprovaram níveis alarmantes de mercúrio, arsênio e chumbo na carne de tubarão-azul — vendida no Brasil como “cação” e frequentemente servida em escolas e hospitais públicos. “Esta portaria não só ameaça os oceanos, mas também envenena a população, especialmente crianças e gestantes”, alerta a Sea Shepherd, que entrou com uma ação civil pública pedindo a revogação imediata da medida.
O Brasil, maior consumidor mundial de carne de tubarão, já importa 25 mil toneladas de “cação” por ano e captura outras 20 mil toneladas em águas nacionais — a maioria, tubarão-azul. Agora, com a nova regulamentação, o país estabelece uma cota oficial de 3.481 toneladas anuais, número que, segundo o Ibama, já é ultrapassado pela pesca ilegal.
O oceanógrafo Jules Soto, da Universidade do Vale do Itajaí afirma que a portaria é mais um capítulo de “desastre” da política de proteção de tubarões no Brasil. Ele explica que o tubarão-azul é considerado o “lobo dos oceanos”, pois regula cadeias alimentares essenciais para a saúde dos oceanos.
“Ele tem um papel de regulador, o tubarão azul é fundamental para o equilíbrio do mar aberto”, disse Soto, que destaca o impacto da pesca predatória. “Onde tem rede, há estresse da população. Se tubarão, tartaruga, peixe, cair na rede, gera estresse em um raio enorme, que afeta outros peixes, que ficam tensos e estressantes. Porque sabem que tem espécie agonizando, mas não veem o predador. Cria desequilíbrio em cadeia no ambiente oceânico.”
Vicente Faria, biólogo da Universidade Federal do Ceará, explica que o papel dos tubarões nos mares ajuda desde a produção de oxigênio até a regulação do clima. “É fundamental que busquemos conservar suas populações. Diferentemente dos peixes ósseos, os tubarões, assim como as raias e as quimeras, conhecidos como peixes cartilaginosos, possuem baixa fecundidade e atingem a maturidade sexual tardiamente, o que os torna especialmente vulneráveis à pressão pesqueira”, declarou.
Posicionamento da Sea Shepherd
A Sea Shepherd Brasil classificou a Portaria Interministerial nº 30/2025 como uma grave ameaça à proteção marinha. A organização ambientalista apresentou uma análise detalhada destacando múltiplas falhas na decisão governamental que autoriza a pesca do tubarão-azul.
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A organização reagiu imediatamente à medida, entrando com uma Ação Civil Pública na Justiça – amparada por uma petição online – para exigir medidas mais rígidas de proteção, fiscalização eficaz e a criação de um plano nacional de proteção da espécie. A organização também busca responsabilizar o governo pelos danos ambientais irreversíveis que a portaria interministerial pode causar.
Uma nota técnica, divulgada em 26 de abril de 2025, foi assinada por três membros-chave da organização: Juan Pablo Torres-Florez, responsável pela área técnica e científica; Fernanda Perregil, coordenadora de Advocacy (OAB/SP 236.036); e Nathalie Gil, presidente da instituição. O documento, direcionado aos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Pesca (MPA), posiciona-se como voz de uma coalizão formada por entidades da sociedade civil, universidades e o próprio Sea Shepherd, todas comprometidas com a defesa da biodiversidade marinha e o combate à degradação ambiental.
O texto argumenta que a medida governamental desrespeita normas fundamentais de proteção ambiental, como o Princípio da Precaução, ao autorizar a pesca do tubarão-azul sem aguardar a conclusão de estudos críticos — como a Declaração de Não Prejuízo (NDF), exigida por acordos internacionais e pela Instrução Normativa nº 28 do IBAMA (11/12/2024). Além disso, acusa a portaria de agravar a crise enfrentada por elasmobrânquios (grupo que inclui tubarões e raias), já considerado o segundo mais ameaçado entre os vertebrados no planeta.
A Sea Shepherd enumera as principais falhas da regulamentação:
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Fragilidade jurídica: Ignora a obrigatoriedade do NDF e desconsidera riscos ecológicos.
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Falhas metodológicas: Utiliza dados incompletos da ICCAT (focada em atuns, não em tubarões).
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Fiscalização insuficiente: Não oferece mecanismos eficazes para coibir excessos.
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Rejeição pública: Medida contraria pesquisas que mostram a oposição da maioria dos brasileiros à pesca de tubarões.
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Inconstitucionalidade: Viola o artigo 225 da Constituição, que garante o direito ao meio ambiente equilibrado.
A organização finaliza deixando claro que a legalização não deveria acontecer. “Legalizar a captura do tubarão-azul equivale a acelerar seu desaparecimento. Como espécie-chave para os oceanos, sua extinção desencadearia um colapso ecossistêmico. O Brasil poderia ser exemplo na preservação, mas optou por flexibilizar regras, colocando interesses econômicos acima da sustentabilidade”, escreveram.