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AJUDA IMPORTANTE

Leões de Nairóbi estão quase cercados pela cidade, mas pastores da região oferecem um corredor essencial para fuga

Pastores Maasai que vivem próximos ao parque nacional na capital do Quênia estão ajudando a vida selvagem com uma rota migratória importante através de suas terras.

25 de junho de 2025
Peter Muiruri
5 min. de leitura
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Foto: Baz Ratner/Reuters

O Parque Nacional de Nairobi, no Quênia, é a única grande área de conservação da vida selvagem situada dentro de uma capital. Delimitado por três lados pelo desenvolvimento humano, ele só não é cercado em sua fronteira sul — uma abertura crucial que serve como corredor para a vida selvagem, conectando os animais do parque a outras populações e a um pool genético mais diversificado.

No entanto, essa mesma passagem abriga uma pequena comunidade Maasai, onde os agricultores enfrentam uma escolha angustiante: proteger seu gado ou abrir espaço para os predadores que os caçam.

Apesar dos riscos, os pastores estão optando por deixar partes de suas terras abertas, permitindo o fluxo de animais selvagens para evitar o que os cientistas chamam de “extinção ecológica” devido ao encolhimento do pool genético.

“Nossos ancestrais encontraram os animais selvagens aqui”, diz Isaac ole Kishoyian, de 55 anos, morador de Empakasi, um pequeno assentamento com vista para o parque. “Havia presas suficientes antes de as pessoas construírem assentamentos permanentes ao redor do parque.”

Agora, gnus e impalas não migram mais do sul, diz ele, e os leões veem seu gado como alvos fáceis. “Mas ainda queremos que nossos filhos desfrutem da mesma herança selvagem que nós.”

Kishoyian cercou apenas uma pequena parte de seus 12 hectares. Mesmo assim, os leões ainda invadem. Há algumas semanas, um leão entrou no curral enquanto ele estava fora.

“Minha esposa ouviu o barulho e espantou o leão antes que ele matasse uma de minhas vacas”, conta.

A menos de 1,5 km dali, Phylis Enenoa, de 68 anos, brinca com seu bisneto em frente à sua casa de chapas de ferro. Como Kishoyian, ela deixou a maior parte de seus 11 hectares sem cerca, e suas quatro vacas pastam ao lado de zebras, impalas e ocasionais gnus.

Avistamentos de leões são frequentes perto de sua casa, e suas intenções são sempre claras. A frágil cerca de arame farpado mal consegue deter os predadores famintos, que já mataram 10 ovelhas e três vacas.

“Olhe para aquela preta”, diz ela, apontando para uma de suas vacas, que sobreviveu a um ataque há duas semanas. “Não sei quanto tempo ela sobreviverá nesse estado.”

O cerco evolutivo

Os leões esperam o momento certo para atacar. Enquanto percorremos uma estrada de terra próxima a uma das propriedades, nosso guia nos alerta sobre uma leoa a menos de 10 metros, imóvel sob uma acácia, seus olhos âmbar fixos em nós.

Antes do século passado, as terras ao sul de Nairobi, incluindo o atual Parque Nacional de Amboseli, eram interligadas, oferecendo espaço para os animais vagarem. Mas o crescimento de assentamentos humanos, infraestrutura e fragmentação de terras bloqueou esse movimento, confinando a vida selvagem aos 117 km² do parque.

Segundo conservacionistas, cada corredor perdido restringe ainda mais o fluxo de genes frescos, levando a reprodução entre “primos” em vez de parceiros diversos. Um pool genético menor reduz herbívoros selvagens, forçando leões a caçar mais gado.

“A diversidade genética em declínio não só altera linhagens — ela corrói traços de sobrevivência moldados por milênios”, diz o Dr. Joseph Ogutu, da Universidade de Hohenheim (Alemanha), que lidera pesquisas sobre o colapso de migrações animais na África.

“Endogamia pode encurtar vidas, reduzir fertilidade e enfraquecer sistemas imunológicos, deixando animais menos capazes de enfrentar seca, doenças ou o ruído urbano”, explica. Ele alerta para uma “extinção ecológica se o pool genético que antes fluía pela savana estagnar”.

Ogutu ressalta que um único leão adulto precisa de até três toneladas de carne por ano — equivalente a 14 gnus, mas o parque abriga apenas algumas centenas de grandes ungulados (além de búfalos e girafas).

Um de seus estudos aponta que os gnus que migravam entre o parque e as planícies de Athi-Kaputiei “caíram de 30.000 em 1978 para menos de 1.000 hoje”. Com menos presas selvagens, o gado vira alvo fácil, com leões caçando “nas noites mais famintas, arriscando confrontos com humanos”.

Coexistência possível

Os moradores estão dispostos a tolerar essa coexistência difícil — mantendo corredores abertos e abandonando atividades incompatíveis com a conservação, como agricultura ou criação extensiva — desde que governo e ONGs acelerem compensações por perdas e pagamentos pela proteção da biodiversidade.

Como 65-75% da vida selvagem do Quênia vive fora de áreas protegidas, o governo depende de proprietários privados. Ele está revisando leis para adotar uma abordagem mais comunitária na conservação.

“Se as pessoas não virem benefícios em abrigar vida selvagem, converterão a terra para outros usos”, diz Silvia Museiya, do departamento estatal de vida selvagem.

Em abril de 2025, 256 proprietários — incluindo vizinhos do parque, Amboseli e Masai Mara (a 160 km) — receberam US$ 175 mil, o primeiro pagamento semestral de um programa piloto que remunera quem mantém 14.000 hectares abertos. Cada um recebe US$ 5 por acre/ano, valor que locais esperam que aumente com mais adesões.

“Recebi 6.000 xelins [R$ 240] por meus 8 hectares”, diz Daniel Parsaurei, 35 anos. “Não é muito, mas… se abrirmos a terra, todos teremos pasto, e os leões terão comida, reduzindo ataques ao gado.”

O programa usa sensoriamento remoto (desenvolvido por Andrew Davies, de Harvard) para medir biodiversidade e criar “créditos de biodiversidade” vendáveis. Defensores dizem que é um financiamento mais direto para quem protege a natureza diariamente.

“Se pagamentos não forem diretos aos proprietários, toda a terra se perderá”, diz Viraj Sikand, cofundador da EarthAcre, startup que monitora repasses a comunidades.

Para Ogutu, sem a restauração de presas fora do parque e a reconexão de rotas, os predadores seguirão sendo “vítimas e vilões em um drama de nossa própria criação”.

“A escolha é clara: alimente leões com ecossistemas funcionais, ou veja-os devorar gado até que nada mais sobreviva”, conclui.

Traduzido The Guardian.

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