É dever do Estado proteger a flora e a fauna, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica e que provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
Foi esse o entendimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular uma lei de Andradina, de autoria parlamentar, que autorizava o exercício e a prática de atividades de “prova de laço”, como rodeios e tiros de laço, incluindo-as como manifestações culturais do município.
A ADI foi proposta pela Prefeitura de Andradina, que alegou violação aos artigos 144 e 193, inciso X, da Constituição do Estado. O município também disse que a lei poderia incentivar maus-tratos aos animais envolvidos nas provas de laço, em afronta ao atual texto constitucional, que prevê a proteção ao meio ambiente.
Ao julgar a ADI procedente, o relator, desembargador Ademir Benedito, ressaltou que, no direito brasileiro, o ponto de partida da teoria que reconhece os animais como seres sencientes, proibindo os maus tratos, está no inciso VII do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal, que proíbe práticas que submetam os animais à crueldade.
“Nesse passo, a lei impugnada não se coaduna com os preceitos constitucionais vigentes. Isto porque o ordenamento pátrio procurou zelar pela preservação do meio ambiente, consubstanciado em sua fauna e flora, rechaçando qualquer tipo de crueldade contra animais, conforme os dispositivos legais supracitados”, afirmou.
Segundo o magistrado, da mesma forma como ocorreu com os direitos humanos, os direitos dos animais têm sido alvo de constantes mudanças, em razão de uma maior “empatia e compaixão experimentada pela coletividade”: “O corpo social passou a clamar por uma maior proteção também aos animais, seres que, assim como nós, são dotados de sensibilidade, e, portanto, são passíveis de proteção jurídica”.
Benedito disse que a maior preocupação humana com os animais requer, da mesma forma, uma maior preocupação jurídica. Ele observou que a própria Constituição Federal elevou o meio ambiente à categoria de direito fundamental, o que deve ser respeitado por todos.
“O que ocorre hodiernamente é que o ser humano instrumentaliza os animais, desconsiderando qualquer tipo de proteção jurídica que possam ter e ignorando qualquer sensação de desconforto, dor e sofrimento destes, submetendo-os às mais variadas formas de tortura, comumente tratadas como ‘entretenimento'”, acrescentou Benedito.
Para ele, em possíveis embates entre os princípios de proteção ao meio ambiente, em relação ao tratamento dispensado aos animais, presente no artigo 225 da Constituição Federal, e a manifestação cultural, prevista no artigo 215 do mesmo diploma, “a balança tende ao primeiro”.
“O argumento de ‘manifestação cultural’ não pode ser o suficiente para permitir e justificar que determinadas práticas, em evidente submissão de animais a crueldades, sejam realizadas. Ademais, o direito deve acompanhar a evolução do pensamento da sociedade. E certas atividades, por mais que fossem consideradas manifestações culturais outrora, não devem permanecer se a própria sociedade na qual está inserida não mais é conivente com esse tipo de situação”, disse.
O desembargador afirmou ainda que provocar medo, dor, sofrimento e morte a outros seres não é algo a ser perpetuado em nossa cultura. Assim, ele concluiu pela inconstitucionalidade da norma de Andradina. A decisão foi acompanhada pelos demais integrantes do Órgão Especial.
“Tratando-se as práticas permitidas pela legislação municipal em debate de atividades que causam sofrimento extremo aos animais, caracterizando a crueldade vedada pelo dispositivo constitucional ora reputado violado (artigo 93, X, da CE), e impondo-se aos municípios sua observância, em virtude do disposto no artigo 144, da mesma Carta Estadual, de rigor o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei 3.732/20, do município de Andradina”, finalizou o relator.
Fonte: Conjur