Elisabete de Mello
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Instrumentos utilizados em animais expostos em rodeios acarretam maus-tratos
O parecer pertence à Doutora Juliana Maria Matera da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo nos autos da
APELAÇÃO CÍVEL N° 077.817.5/5-00, COMARCA DE SANTOS, SP.
| Sinta-se à vontade para afirmar | Animais em rodeios é ato crueldade e agressão à Carta Constitucional, Artigo 225 |.
| ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA | https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1354933&vlCaptcha=kPZcA |
Ementa e transcrição de trecho do acórdão
Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Publico – Utilização de recursos que possam provocar sofrimento ou maus tratos a animais – Sentença de procedência mantida – Remessa oficial e apelação da Municipalidade de Santos improvidas – Recurso do Ministério Público provido parcialmente.
(…)
“Ao contrário do que argumenta a apelante, o emprego dos instrumentos referidos na petição inicial, tais como sedem, peiteiras, sinos, sofrimento e tratamento cruel aos equinos e bovinos utilizados no evento.
“Como se verifica do trabalho pericial apresentado pela Professora Doutora Júlia Maria Matera, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo, de fls. 135/140, é justamente em função de emprego dos instrumentos em questão para estimular artificialmente os equinos e bovinos usados em rodeios, que os mesmos apresentam comportamento semelhante ao dos animais chucros.
“Indiscutivelmente, a utilização de sedem, peiteiras, esporas, choques elétricos e mecânicos, além de sinos, causam sofrimento físico e mental aos animais, como se vê do citado parecer, às fls. 138/140, que ora nos permitimos destacar abaixo:
“Na estrutura cerebral, tanto no homem, quanto dos animais em questão (equinos e bovinos), dois tipos de transdutores neuropsíquicos/psíconeurais devem ser aqui considerados: a) o sistema límbico; b) a área pré-frontal do córtex cerebral.
“O Sistema Límbico representa um conjunto de estruturas encefálicas implicadas nas manifestação de atos de comportamento acompanhados de “emoções”. Mas, essas “emoções” são aquelas básicas, primárias, relacionadas a atos “intuitivos” de autopreservação (defesa do território, ataque/fuga, satisfação de necessidades básicas como fome, sede, sexo etc.) e/ou de preservação da espécie (funções sexuais e reprodutivas, cuidados com a cria, defesa da cria, etc).
“A Área Pré-Frontal, por sua vez, representa a porção mais anterior dos lobos frontais e tem a ver com atos comportamentais de outra natureza, ou seja, que envolvem capacidade de aprendizado, julgamento de situações, expressão da vontade, elaboração de estratégias, planejamento de ações futuras e outros.
“Tanto o ser humano quanto os animais na vigência de lesões estruturais da área pré-frontal exibem alterações de comportamento, permanecendo como que “tamponados” psiquicamente.
“Pela atuação do Sistema Límbico quanto da Área Pré-Frontal do córtex cerebral, os animais são capazes de perceber os estímulos que chegam as essas regiões, sejam de dor ou de outra natureza. São capazes, também, de avaliar, pelo confronto com os seus conteúdos de memória, o que esses estímulos significam, colocando-se em “estado de reação de defesa” (síndrome adrenérgico) quando sentem que esses estímulos são agressivos, vale dizer, representam perigo à sua autopreservação e/ou preservação da espécie.
“A utilização de sedem, peiteiras, choques elétricos ou, mecânicos e esporas gera estímulos que produzem dor física os animais, em intensidade correspondente à intensidade de produção de estímulos. Além de dor física, esses estímulos neuropsíquicos de avaliar que esses estímulos lhe são agressivos, ou seja, perigosos à sua integridade.
“Quanto ao uso de sinos, os estímulos sonoros provocados, em grande intensidade, assustam os animais, provocando-lhes também sofrimento mental.
A esses estímulos sonoros, dos sinos, somam-se ainda os da gritaria dos seres humanos…
“Além disso, os animais veem o ambiente, a expressão facial e corporal das pessoas e “sentem” o que está acontecendo!
“Conclusão
“Pelo exposto, não há como negar, do ponto de vista técnico/científico, que a utilização do sedem, peiteiras, sinos, choques elétricos ou mecânicos e esporas em cavalos e bois causa-lhes sofrimento físico e mental.
“O que consideramos, nos itens anteriores, representa uma ideia geral de como funcionam as estruturas condutoras e processadoras dos estímulos dolorosos,
nos animais, contendo esse que se encontra com facilidade nos tratados e publicações especializadas em Medicina Veterinária.
“Aliás já o simples e por isso mesmo eficaz bom senso nos diz que essas práticas (uso de sedem), peiteiras, sinos, choques elétricos ou mecânicos e esporas, etc), representam expressões de crueldade, não de cultura”.
“O “sedem” consiste num apetrecho de tiras de couro, ou de crina, que é colocado do flanco inguinal (virilha) do equino ou bovino. Tal instrumento, quando da abertura do portão do brete, é fortemente puxado, provocando compressão na região dos vazios do animal, proporcionando-lhe dor e sofrimento. Os ureteres (canais que ligam os rins à bexiga) são comprimidos, bem como são apertados parte dos intestinos, o prepúcio e o pênis.
“As “esporas”, por sua vez, são instrumentos de metais com rosetas pontiagudas, usados nas botas dos peões para estimular os animais mediante violentos golpes sincronizados e contínuos aplicados no baixo ventre, peito, pescoço e cabeça.
“A “peiteira” consiste numa corda de couro colocada fortemente em volta do peito do animal, causando-lhe intenso sofrimento, na região torácica. O peão, desde o brete, traciona fortemente a peça, e, quando é aberta a porteira, segura-a com uma das mãos, mantendo a outra livre, de maneira a alcançar o necessário apoio e equilíbrio sobre o dorso do animal.
Essa peça assemelha-se à cilha, que, quando apertada fortemente, provoca reações violentas nos animais.
“Já os “sinos”, utilizados nos bois, são geralmente colocados na peiteira, para que, com os movimentos, seja provocado um barulho característico que causa
a sensação de asfixia e medo no animal, alterando, em decorrência, o seu estado emocional com a elevação drástica da adrenalina.
“Finalmente, o “choque elétrico ou mecânico” é utilizado para estimular os animais a demonstrarem comportamento agressivo, são produzidos por sovelas geralmente momentos antes dos animais deixarem o brete.
“Assim, não há como se argumentar que tais instrumentos não causam sofrimento aos animais.
(…)
“Como se vê, a pretensão ministerial merece ser acolhida, a afim de que também sejam incluídos na proibição, os demais instrumentos referidos na
inicial (peiteiras, sinos, choques elétricos ou mecânicos e esporas), além do sedem.”
(…)
“Dessa forma, a colocação de sedem em animal atingindo-lhe o baixo-ventre; o esporamento em partes do pescoço, baixo-ventre e cabeça; a colocação de sinos, peiteiras, e as outras práticas noticiadas nos autos, consistem em maus-tratos e sofrimentos a bovinos e eqüinos utilizados em rodeios, já que esses apetrechos têm a função de torná-los indóceis, fazendo com que pulem, escoiceiem, corcoveiem, dêem pinotes, etc, violando assim a legislação de proteção à fauna e os direitos dos animais.
(…)
Pelo exposto, negam provimento à remessa oficial e à apelação da Municipalidade de Santos e dão provimento parcial ao recurso do Ministério Público, para os fins constantes do acórdão.
RELATOR DESEMBARGADOR CARLOS DE CARVALHO