Um diálogo lanoso este: “Mas a ovelhinha até gosta que a gente tose sua lã, é muito quente. Afinal, a gente não leva o cão para fazer a tosa do pelo no verão?” Por acaso a gente cria cão para tosar e vender seus pelos? Então, é tudo igual, não?
“É mesmo! Tudo sempre tão igual que a gente vai voluntariamente ao cortador de cabelos e pede que nos raspe a cabeça duas vezes por ano, não vai?”
“Como assim?”
“Assim, ó (como usam falar as manezinhas da Ilha): você tem uma cabeleira cheia de cachinhos, farta e linda, aí na sua cabeça, há mais de cinquenta anos, não tem?”
“Sim, tenho”. Pois é.
“Essa cabeleira protege você do calor, do sol queimando sua pele craniana, no verão, e do frio gelado no inverno! Você não a tira daí por nada desse mundo, tira?”
Imagina que, ao sair daqui, alguém lhe prenda o corpo, passe a navalha em seus cabelos, deixando você ali, em pânico, sentindo no crânio um frio do mal, total, tire suas roupas, seus tênis e meias, seu cachecol, e deixe você assim por dias, ao relento, sem nada para conter junto ao seu corpo o calor que é seu. Como você se sentiria? Acharia uma beleza que lhe houvessem tosado os pelos e deixado você tiritando de frio, acharia um favor imenso, que lhe tivessem levado o seu pelo para montar casacos e mantas de “lã” para gente que tem dezenas de substitutivos para se aquecer?
Não acharia. Então, por que pensa que as ovelhas acham isso uma delícia? Por que continua a tecer com a lã delas, a comprar mantas feitas com a lã delas, a usar casacos feitos com essa mesma lã? Por que se acha tão generosa com as ovelhas? Ainda crê que bebês nasçam em cabeças de repolho e que sejam trazidos para suas mães pela cegonha?
A ovelha tiritou de frio por dias e dias, noites e noites. Sem ninguém a se comover com sua agonia, seu medo e seu sofrimento. E, agora, tem gente aí, quentinha, com a lã que era do corpo dela. Acha mesmo que fizeram um grande favor a ela?
Acho que não acha não. Se a tosa é algo bom para ela, como o é para seu cão peludo, por que não tosa só pelo bem que isso causa ao animal? Tem que criar milhões deles para poder exercer sua bondade? Então, se diz “que ama e tem dó, precisa do que mais pra mudar?” (referência à música: Um dia eu parei pra pensar, de Eline Bélier, disponível na Soundcloud).