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Kgalagadi, o parque transfronteiriço do leão de juba preta

8 de janeiro de 2010
6 min. de leitura
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Por Haroldo Castro

Criar parques binacionais e transfronteiriços, além de ser uma boa estratégia de conservação, promove um benefício adicional importante: os diálogos necessários entre os dois países obrigam a um melhor relacionamento entre governos na área ambiental. Com o estabelecimento de um parque binacional, a fronteira política – intrinsecamente uma área de potencial tensão – passa a ser uma ponte para a paz entre nações vizinhas.

Paisagem de verão, com nuvens e luzes extraordinárias do por do sol, no parque transfronteiriço Kgalagadi.
Paisagem de verão, com nuvens e luzes extraordinárias do pôr do sol, no parque transfronteiriço Kgalagadi.

O primeiro parque transfronteiriço criado na África tem hoje quase 10 anos de idade. O parque Kgalagadi é o resultado da boa vontade entre África do Sul e Botsuana, que reconheceram, desde 1998, que seus objetivos ambientais eram idênticos. Como a fronteira só existia no papel e não na natureza – os animais migram de um lado para outro livremente – Kgalagadi tornou-se um novo modelo de conservação. A união das duas reservas que já existiam anteriormente gerou a criação de um dos maiores parques do mundo, com 3,6 milhões de hectares. (O maior parque nacional brasileiro, das Montanhas de Tumucumaque, no Amapá e no Pará, possui 3,8 milhões de hectares).

As temperaturas extremas (11 graus negativos no inverno e um calor de 42 graus na sombra no verão) fazem com que os animais que escolheram o Kalahari como morada tenham de ter muito caráter e força. Um dos antílopes mais elegantes, encontrado no vale dos riachos (secos) Auob e Nossob, é o órix (Oryx gazella). Como ele não precisa beber muita água (consegue extrair o líquido das plantas que come), o órix também pode viver nas dunas vermelhas entre os dois leitos de rio, em um ambiente ainda mais quente e seco.

O órix possui chifres como lanças retas e pontiagudas e sua cara, preta e branca como uma máscara, contrasta com o corpo cinza.
O órix possui chifres como lanças retas e pontiagudas e sua cara, preta e branca como uma máscara, contrasta com o corpo cinza.

Logo que entramos no parque, a poeira do Kahalari toma conta da Nandi. Existem apenas quatro estradas na reserva. Todas são de areia. Como é proibido trafegar off-road, é dessas estradas que pretendemos ver os principais habitantes de Kgalagadi. O animal mais abundante é o springbok ou a cabra-de-leque (Antidorcas marsupialis). Apesar de frágil, essa gazela pode atingir 90 km/h quando perseguida por uma chita ou um leão. O gnu-azul (Connochaetes taurinus) , com uma aparência de boi-cavalo, é outro mamífero bem comum em Kgalagadi.

Foto:Época
Foto:Época

Em qualquer parque é indispensável uma troca constante de informações entre os visitantes. Ao cruzar o primeiro veículo, somos avisados de que três guepardos ou chitas (Acinonyx jubatus) estão sob a sombra de uma frondosa árvore, a poucos quilômetros adiante. É quase impossível ver, a olho nu, os felinos, mas com a objetiva 500 mm consigo observar um pouquinho do contorno. Após alguns minutos em silêncio, um chita, mais curioso e menos preguiçoso, levanta a cabeça e senta sobre suas patas traseiras (foto). A espiada dura apenas quatro segundos, tempo suficiente para captar algumas imagens. Os dois outros chitas permanecem deitados, quase que invisíveis.

O bicho mais procurado por todos é o leão. Aqui, o leão é diferente, pois o macho adulto possui uma elegante juba preta. A razão seria uma melhor camuflagem, pois ele pode se misturar com a cor escura dos troncos das acácias. Os leões daqui também são maiores em tamanho. Acredita-se que as longas distâncias que eles devem percorrer em busca do jantar (leia-se antílopes) sejam a maior responsável pelo porte atlético do majestoso felino.

Nosso desejo de descobrir um leão de juba preta é tão grande que, em poucas horas, o encontramos. Tomamos um susto enorme, pois o bicho está deitado, na sombra, a apenas um metro de distância da estrada. De tão perto, quase não o percebemos. Parece estar entediado com o calor, pois até mesmo nossa barulhenta marcha à ré não o distrai. Continua dormindo e apenas abre um olho para verificar a companhia.

O movimento de outros veículos que encostam ao lado da Nandi faz com que o leão finalmente levante a cabeça por alguns minutos. Só aproveita a ocasião quem está com a câmera preparada.
O movimento de outros veículos que encostam ao lado da Nandi faz com que o leão finalmente levante a cabeça por alguns minutos. Só aproveita a ocasião quem está com a câmera preparada.

Se esse leão dorminhoco é uma bela surpresa, a descoberta dos próximos dois leões é um espanto maior. Quando chegamos, na hora do pôr do sol, na pousada !Xaus, dois jovens machos aproximam-se do lago salgado (seco 364 dias por ano) para beber em um ponto de água. A caminhada, cruzando a planície salgada, é lenta e demora vários minutos. Todos que assistem ao espetáculo evitam qualquer ruído ou movimento. Único desafio: a luz do dia desaparece em uma velocidade maior do que a dos leões. Mesmo assim, conseguimos algumas belas imagens. Os dois animais permanecem ao redor do ponto de água por meia hora e depois, já na escuridão, saem para caçar.

Um dos jovens leões dá várias voltas ao redor do ponto de água e bebe diversas vezes.
Um dos jovens leões dá várias voltas ao redor do ponto de água e bebe diversas vezes.

Mesmo não sendo um experto observador de aves, fico impressionado com as dezenas de espécies de pássaros de Kgalagadi. Um dos espetáculos mais marcantes é a caça do falcão peneireiro. Aproveitando um  forte vento de frente, ele fica parado no ar, com asas abertas, à espera de algum movimento. Quando vê uma presa na planície, mesmo se a 100 metros de distância, ele mergulha vertiginosamente e a agarra com as patas. Ele não come sua refeição no chão, prefere levá-la para o ar.

O falcão peneireiro de olho branco (Falco rupicoloides) é um exímio caçador e consegue capturar largatixas com facilidade.
O falcão peneireiro de olho branco (Falco rupicoloides) é um exímio caçador e consegue capturar largatixas com facilidade.

Fonte: Época

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