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PENSÃO E CUIDADOS

Justiça reconhece que animais domésticos são parte da família

17 de maio de 2022
6 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Pixabay

Quando leu que um homem em São Paulo foi condenado a pagar mensalmente o valor de R$ 500 à ex-companheira para ajudar nos gastos com os quatro cachorros do agora ex-casal, a vendedora Cristiane Belizario, 37, correu às redes defender a decisão: “está certa. Se todos soubessem os custos de um cachorro de porte grande, nada mais justo cobrar.” Separada desde 2018, ela recebe ajuda do ex nas despesas do labrador Bony, de 11 anos.

O caso de São Paulo ganhou repercussão na última semana porque ele chegou ao STJ (Superior Tribunal de Justiça), que analisa pela primeira vez um caso como esse. No processo, de 2018, a mulher explica que adquiriu os animais enquanto estava em união estável, e que no momento da separação ficou com os animais. Eles, no entanto, passaram a morar na casa de seu pai.

Para ajudar com os cuidados, ela pede ressarcimento no valor de R$ 39,5 mil, referente ao que afirma ter gasto desde a separação, e ao pagamento de R$ 750 mensais para seguir bancando banhos, ração e o que mais precisar para os animais.

O homem contestou e alegou não ser obrigado a pagar por não ser mais tutor dos animais e que sequer tem interesse neles. Afirmou ainda que cachorro não é sujeito de direito.

“Animais preenchem necessidades humanas”

O juiz da 4ª Vara Cível que analisou o processo não concordou com o argumento apresentado pelo réu. Na sua decisão, o magistrado explica que apesar de o Código Civil de 2002 tratar o animal como um bem móvel, o tratamento jurídico dado aos animais domésticos “evoluiu de modo que eles não podem mais ser considerados como simples coisa, mas que preenchem necessidades humanas emocionais e afetivas”. Assim ele resumiu:

“Trata-se de ser senciente (sensível), com a capacidade para manifestar alegria, tristeza, medo e dor. Houve relação de afeto entre os animais e as partes, autora e réu desfrutaram da companhia dos animais. Nesse quadro não se admite, sob o ponto de vista ético, o abandono deles como causa de extinção da propriedade e da inerente responsabilidade pelos cuidados que animais necessitam. Há dever moral de zelar pelo bem-estar dos cachorros mesmo depois de desfeita a união estável com a autora e no contexto da qual eles foram adquiridos. Por essas razões, considero estar o réu também a título do domínio, obrigado a contribuir para a manutenção dos cachorros até a morte deles”, concluiu o juiz, determinando os valores um pouco abaixo do pedido pela “mãe” dos animais.

Animal é da família, e tem mãe, pai e padrasto

Divorciada há quatro anos, Cristiane fala a Universa que não chegou a buscar a Justiça para decretar a responsabilidade com Bony que caberia a ela e ao ex. Os dois fizeram um combinado de boca mesmo, e partiu dele o compromisso de ajudar nos gastos, que chegam a R$ 450 ao mês, com ração e banho:

“Eu cuidava sozinha da Bony, mas ele não achou justo e começou a me ajudar. E quando tenho que fazer algo, dividimos os gastos. Às vezes ele decide pagar tudo.”

O ex-casal tem ainda dois adolescentes, de 17 e 13 anos. E quando o pai visita a caçula, aproveita para brincar com a pet. Ele também faz companhia à cachorra quando Cristiane viaja com a família.

“Animais têm sentimentos, e a Bony está conosco há mais de 11 anos, tanto que quando eu a chamo, falo ‘vem com a mãe’. Meu ex também fala com ela como se fosse pai. Ainda digo que meu atual marido é seu padrasto, porque ele também interage com ela”, fala Cristiane, mãe ainda de uma criança de 2 anos.

“Não sou fã de animais, mas para mim ela faz parte da família, tanto que uma vez ela precisou fazer uma cirurgia que custou mais de R$ 3 mil e não pensamos duas vezes em salvá-la. Querendo ou não ela traz alegria para as crianças. Hoje tenho uma bebê que vira e mexe some, e quando vamos procurar ela está lá deitada no chão com a cachorra.”

“Animal não é como um móvel que se deixa para trás”

Especialista em direito da família, a advogada Mariana Régis diz que cada vez mais tem feito acordos do tipo. Em conversa com Universa, ela reforça a conclusão do juiz de São Paulo, de que animais domésticos não podem ser partilhados como propriedade do casal, e acrescenta não considerar justo que apenas uma das partes fique responsável por arcar com todas as despesas.

“Ao adotar/comprar um animal, assume-se uma responsabilidade que perdura enquanto o ser existir, não cabendo tratá-lo como um móvel que se deixa para trás no momento do divórcio.”

O caso da micropigmentadora Luciana Borba, 43, também foi parar no STJ em 2017, mas porque o ex queria o direito de visitar a yorkshire Kimi, que adquiriu enquanto casada. Sua união estável durou até 2011, e somente 5 anos depois da data da dissolução o homem entrou com o processo na Justiça de São Paulo.

A Universa, ela conta que após o divórcio deixava o ex visitar a cadela, mas com o tempo ele foi distanciando. “Não fui a megera que não deixou ver o cachorro”, ela observa.

Num primeiro momento, a Justiça não atendeu ao pedido de seu ex por entender que os ajustes com relação à separação ocorreram no divórcio, e que não havia nada mais a reclamar. E pelo código civil, não se admite a possibilidade de o casal rediscutir a partilha após a homologação do acordo de divórcio, a não ser que se descubra um bem móvel ou imóvel que uma das partes desconhecia na época da separação.

Só que o homem recorreu, e três desembargadores do STJ decidiram pela guarda compartilhada do animal: de 15 em 15 dias ele poderia passar o fim de semana com a cachorra.

Na sentença, o STJ citou que na maioria dos lares brasileiros havia animais domésticos e reconheceu a existência do laço afetivo e o direito do ex. De fato, pesquisa do IBGE feita em 2013 mostra que havia, naquela época, 52,2 milhões de animais distribuídos pelos lares brasileiros, enquanto as crianças somavam 45 milhões.

Luciana diz que quando as visitas começaram, a cadeça ficou estressada no início, porque estranhava a presença do ex, já que ela não se lembrava dele. Mas com o tempo, foi se acostumando.

“De início discutíamos com as datas, se um podia trocar com o outro. Depois trocávamos sem discussão. Depois que ela foi ficando mais velha, ele não a pegava com tanta frequência. Tentamos poupar a Kimi e dar melhor qualidade a ela, então até nas festas a gente preferiu que ela ficasse em casa comigo, para ficar confortável sem tantas indas e vindas, e cuidei até o fim.”

Kimi faleceu em fevereiro último, aos 14 anos. “Quando ela faleceu, agradeci a ele por tudo que se dispôs a fazer para ajudar, e disse que nossas brigas ficaram no passado. O importante não é nosso ego, e sim o bem-estar do animal.”

Fonte: UOL

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