A decisão da Justiça da Paraíba proferida nesta terça-feira (09/12), de negar o reconhecimento dos gatos que vivem no Condomínio Parque dos Ipês I, em João Pessoa, como animais comunitários, é um absurdo e um grave retrocesso na proteção aos animais. Os gatos, que não têm tutores e dependem diretamente da solidariedade dos moradores para sobreviver, seguem completamente desamparados pelo Estado.
A Primeira Câmara Cível manteve, por unanimidade, a sentença de primeira instância e rejeitou o recurso do Instituto Protecionista SOS Animais e Plantas. A entidade buscava garantir aos gatos o status legal de animais comunitários, uma ferramenta prevista em lei justamente para proteger animais que, vivendo em espaços coletivos, recebem cuidados regulares de pessoas da comunidade. Com a negativa, os gatos permanecem sem qualquer respaldo jurídico para alimentação, assistência veterinária ou segurança, ficando ainda mais vulneráveis a maus-tratos, fome e abandono.
A decisão ignorou a dinâmica real das populações de gatos vulneráveis em regiões urbanas, onde a ausência de políticas públicas obriga moradores sensibilizados a assumir, informalmente, o papel que deveria ser do poder público. Mesmo diante de denúncias de maus-tratos e pedido de indenização por danos morais coletivos, o tribunal não acolheu nenhuma das alegações.
O relator, desembargador José Ricardo Porto, sustentou que não há comprovação de cuidado contínuo e organizado, requisito previsto em lei para o reconhecimento dos animais comunitários. Essa interpretação desconsidera a realidade, que consiste em comunidades com poucos recursos, sem apoio estatal e sem organização formal, sustentando sozinhas a sobrevivência de animais abandonados, exatamente o cenário que o instituto buscava regularizar.
Além de desvincular os gatos de qualquer proteção legal, o tribunal também retirou do condomínio qualquer responsabilidade sobre os animais, limitando sua atuação à administração das áreas comuns. Na prática, essa decisão empurra os felinos de volta ao limbo jurídico, onde milhares de animais que não possuem um lar vivem, invisíveis e vulneráveis.
O desembargador também rejeitou o pedido de indenização por dano moral coletivo, alegando falta de provas de que o condomínio tenha causado prejuízo significativo aos animais ou aos moradores que tentam cuidar deles, apagando o sofrimento dos gatos e do esforço de quem tenta protegê-los..
Uma sentença oposta reconhece os gatos comunitários
Apesar do revés, o cenário jurídico é ainda mais controverso. O juiz, Gustavo Procópio Bandeira de Melo, da 2ª Vara Cível da Capital, já havia reconhecido, em 26 de novembro passado, esses mesmos gatos como animais comunitários, determinando que o condomínio elaborasse um plano completo de manejo, alimentação segura, higiene, abrigo, castração, cuidados veterinários e ações de bem-estar, exatamente as medidas mínimas para garantir a vida desses animais.
A sentença também impôs a criação de um comitê de acompanhamento, laudos periódicos do Centro de Vigilância Ambiental e Zoonoses e campanhas de adoção responsável, deixando claro que a proteção dos gatos é obrigação constitucional, e não escolha.
O Instituto SOS Animais e Plantas já anunciou que vai recorrer, defendendo que a decisão desta semana afronta diretamente o que determina a Lei Estadual nº 11.140/2018 e contraria princípios básicos de proteção animal, abrindo brecha para negligência e sofrimento de animais que vivem em espaços coletivos.
A definição final do conflito poderá criar um precedente decisivo. Ou a justiça reconhece que comunidades têm responsabilidade e deveres claros com os animais que compartilham seus espaços, ou escolhe perpetuar o abandono disfarçado de neutralidade jurídica.