O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) retomou ontem (19/02) o julgamento da Ação Civil Pública promovida pela ONG Fórum Animal que pede o fim das exportações de animais vivos no Brasil.
A decisão, no entanto, frustrou ativistas e defensores dos direitos animais, ao manter a prática cruel, desumana e que coloca em risco o meio ambiente.
O caso, que tramita há mais de sete anos, teve início com uma decisão favorável ao fim das exportações em 25 de abril de 2023, quando o juiz federal Djalma Moreira Gomes julgou o pedido procedente.
A União Federal, ré no processo, recorreu da decisão. Em 18 de dezembro de 2024, o desembargador Nery da Costa Júnior, relator do caso, acatou o recurso da União, argumentando que “não há no ordenamento jurídico qualquer vedação ao comércio internacional de animais vivos, tampouco indicativo concreto de que o transporte marítimo de per si implique em crueldade aos animais”.
Apesar de reconhecerem os maus-tratos intrínseco, os desembargadores Carlos Delgado e Consuelo Yoshida acompanharam o voto do relator, justificando que o Poder Judiciário não poderia legislar sobre o tema, e sim o legislativo que tem que proibir.
Entretanto, de acordo com o princípio do Acesso à Justiça, o judiciário não pode deixar de julgar um caso por falta de leis referentes a ele. A justiça deve ser aplicada ao processo e depois as leis serão criadas em cima disso.
Eles também alegaram que não é possível tomar decisões com base em casos isolados, como o ocorrido com o navio NADA, em 2018, que expôs as condições degradantes enfrentadas pelos animais durante o transporte.
Ativistas reagem: “Maus-tratos são a regra, não a exceção”
A decisão foi recebida com indignação por ativistas presentes no tribunal. Eles argumentaram que os maus-tratos não são casos isolados, mas sim uma prática sistemática em todos os embarques.
“As provas só surgem em situações escandalosas, como o caso do navio Al Kuwait, em fevereiro de 2024, que chegou à Cidade do Cabo com 19 mil bois em condições deploráveis, gerando um odor insuportável devido ao acúmulo de dejetos”, afirmou a ativista Denise Trolezi presente no julgamento.
Os defensores dos direitos animais também criticaram a falta de transparência no setor. “Não há como monitorar as condições dos animais, porque não permitem a entrada de ativistas ou ONGs nos navios. A única forma de obter provas é quando algo escapa ao controle, como no caso do Al Kuwait”, denunciaram.
O Fórum Animal já anunciou que irá recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra esta decisão, que representa um retrocesso para a causa animal.
“Não iremos desistir de lutar para acabar com essa crueldade. Iremos recorrer ao STJ e ao STF. É lamentável que todas as provas produzidas ao longo do processo tenham sido desconsideradas”, afirmou a diretora jurídica do Fórum, Ana Paula de Vasconcelos.
A ONG espera que os ministros das Côrtes superiores se posicionem de forma contundente a favor dos animais, de uma vez por todas, já que na sentença de Primeira Instância, a justiça havia considerado a exportação de animais vivos uma prática condenável.
Congresso e Agro: um entrave à mudança
Os ativistas denunciaram a dificuldade de avançar o tema no Legislativo.
O Projeto de Lei 3093/2021, que propõe o fim das exportações de animais vivos, está parado no Congresso Nacional, dominado por interesses do agronegócio.
“Enquanto isso, mais de 800 mil bois foram exportados apenas em 2024 para países que praticam o abate religioso, onde os animais sangram conscientes até a morte”, lamentou Denise Trolezi.
Os ativistas denunciaram ainda a morosidade do sistema. “Quantos mais animais terão que sofrer até que a Justiça faça valer o que manda a Constituição Federal? Animal não é carga”, questionaram.
O que diz a Constituição?
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedando práticas que submetam os animais a crueldade. Para os ativistas, a exportação de animais vivos viola diretamente esse princípio, submetendo os animais a condições desumanas e degradantes durante o transporte e o abate.
Enquanto o Judiciário e o Legislativo não avançam, o Brasil segue como um dos maiores exportadores de animais vivos do mundo, alimentando um comércio que é incompatível com os princípios de compaixão e respeito à vida animal.
E agora?
A luta pelo fim das exportações de animais vivos continua, mas a questionável decisão no TRF3 mostra que o caminho ainda é longo. Enquanto isso, milhares de animais seguem sendo transportados em condições precárias, enfrentando extremo sofrimento e morte. Para os ativistas, a pergunta que fica é: até quando o Brasil vai fechar os olhos para essa crueldade?
Relembre o caso
Em abril de 2023, a 25ª Vara Federal de São Paulo proferiu uma decisão histórica no âmbito do Direito Animal, atendendo a ação movida. A sentença determinou a proibição da exportação de animais vivos por via marítima em todo o território brasileiro, representando um marco na luta contra essa prática, amplamente criticada por seu caráter cruel. No entanto, a União Federal, ré no processo, entrou com recurso.
Em 18 de dezembro de 2024, o desembargador Nery da Costa Júnior, relator do caso e afastado em 2013 por suspeita de agido para privilegiar um frigorífico, julgou procedente o recurso da União, alegando que “não há no ordenamento jurídico qualquer vedação ao comércio internacional de animais vivos, tampouco indicativo concreto de que o transporte marítimo de per si implique em crueldade aos animais”. Na ocasião, o desembargador Carlos Delgado, que votaria na sequência, pediu vista e o julgamento foi adiado.