Em decisão divulgada na última sexta-feira (18/07), a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido de pensão alimentícia para um cachorro após o divórcio dos tutores. A sentença reafirma que animais são considerados objetos de propriedade, e não sujeitos de direito, perpetuando uma visão ultrapassada que reforça a exploração e o abandono, conceitos incompatíveis com os avanços nos direitos animais.
No caso, a ex-companheira havia solicitado que o ex-marido continuasse pagando as despesas do cão, argumentando que não poderia arcar sozinha com os custos do animal adotado durante a união. Apesar de reconhecer que “os animais desempenham papel cada vez mais relevante nas interações humanas”, a desembargadora Fátima Cristina Ruppert Mazzo entendeu que “o cão não é um sujeito de direito” e que os “custos são obrigações inerentes à condição de dono”, cabendo ao tutor que permaneceu com a guarda do animal assumir integralmente as despesas.
Essa decisão expõe o quanto a legislação ainda trata animais como meros bens, dispensáveis e sem direitos próprios, ignorando seu caráter de seres sencientes, capazes de sentir dor, alegria e formar vínculos emocionais significativos com humanos, uma realidade amplamente comprovada por pesquisas científicas.
Além disso, ao colocar todo o fardo financeiro sobre um único tutor, a Justiça reforça um modelo individualista que falha em reconhecer a responsabilidade compartilhada, especialmente em casos de famílias multiespécie. O Human-Animal Studies (HAS) já destaca que, em situações de separação, o bem-estar do animal costuma ser prejudicado pela falta de estruturas legais adequadas.
A própria advogada envolvida no caso criticou a decisão e anunciou que não irá recorrer, mas salientou que o debate judicial em torno da tutela de animais tende a avançar, embora ainda com lentidão.
Em contraste, decisões recentes demonstram que a jurisprudência pode evoluir: em um caso emblemático, o cachorro Toquinho recebeu indenização após ser vítima de maus-tratos por seu tutor, comprovando que a Justiça reconhece, ainda que timidamente, a necessidade de proteção dos animais.
No entanto, negar pensão alimentícia a um animal que esteve sob responsabilidade comum durante uma união conjugal é um retrocesso. Tal postura reforça a concepção de propriedade animal, em vez de enxergá-los como indivíduos dignos de cuidado contínuo, mesmo diante de separações.
A decisão do TJ-SP deixa uma mensagem clara e preocupante: por mais emocionalmente relevantes que sejam, cães e gatos continuam sem garantia jurídica de proteção mínima em processos de direito de família. E, nesse sistema, o que pesa não é o sofrimento do animal, mas o interesse econômico individual.
Para defender os direitos animais de forma consistente, é urgente incorporar mudanças legislativas que:
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reconheçam os animais como sujeitos de direito e membros das famílias;
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garantam pensão alimentícia proporcional em casos de separação;
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compartilhem a responsabilidade financeira entre os tutores;
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priorizem o bem-estar do animal nos processos judiciais.
Enquanto isso não acontece, iniciativas como a que visava proteger o animal nesse caso seguem sendo derrotadas em tribunais como o de São Paulo, uma prova de que ainda falta avanço institucional na proteção à vida não humana.