A Terceira Turma Recursal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN) manteve a condenação de uma mulher que tinha o hábito de alimentar pombos na calçada de sua residência. A decisão, que a obriga a pagar indenizações por danos morais e materiais a um vizinho, é um ataque à compaixão e uma falha do Estado em oferecer soluções éticas para a convivência com a fauna urbana.
A sentença original, do 12º Juizado Especial Cível de Natal, considerou que a prática da mulher, embora movida por intenção aparentemente benigna, “ultrapassa os limites do exercício regular de um direito” e fere o sossego, a salubridade e a segurança dos vizinhos. A decisão se baseou no Código Civil (artigo 1.277) e na Constituição Federal (artigo 225), que tratam do direito de vizinhança e do meio ambiente equilibrado.
O caso mostra um conflito complexo que é sistematicamente simplificado pela Justiça, que opta por penalizar o indivíduo compassivo em vez de abordar a raiz do problema: a falta de políticas públicas para o manejo ético das populações de animais urbanos.
A decisão criminaliza um ato de empatia. A mulher não estava praticando um ato de crueldade, mas de cuidado. O problema da superpopulação de pombos é um problema de saúde pública gerado pela ação humana, através da urbanização desordenada e da falta de ambientes naturais para essas aves. Punir uma pessoa por tentar aliviar a fome desses animais é tratar o sintoma e não a doença.
A Justiça é rápida em multar uma cidadã, mas onde está a política municipal de controle populacional humanizado? Onde estão as campanhas de educação para que a população não alimente as aves de forma inadequada? Onde estão os abrigos e os programas de esterilização? A solução não pode ser simplesmente deixar que os animais passem fome à nossa porta.
O direito à propriedade e ao sossego foram considerados superiores ao bem-estar dos animais. O veículo teve seu dano material reparado, mas e o sofrimento animal, que é ignorado? A decisão reforça a visão antropocêntrica de que o conforto humano sempre deve prevalecer, mesmo em detrimento de outras espécies.
A mulher foi condenada a pagar R$ 1.000 por danos morais ao vizinho e R$ 1.050 pelos danos materiais ao veículo.