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INCONSCIÊNCIA

Jumentos explorados por toda vida são abandonados para morrer em estradas

Os que antes os queriam por perto apenas para explorá-los, forçando-os a realizar atividades em benefício humano, agora os consideram inúteis e os descartam nas estradas como se fossem objetos sem serventia

12 de julho de 2021
Mariana Dandara | Redação ANDA
5 min. de leitura
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Foto: Honório Barbosa

Não bastasse o sofrimento de serem explorados como força de tração, os jumentos que se tornaram símbolo do Nordeste são alvos frequentes do crime de abandono. Deixados para morrer em estradas, são submetidos ao risco de acidentes fatais, passam fome e sofrem com a sede em meio ao calor intenso.

Ambientalistas e defensores da espécie afirmam que muitas famílias passaram a abandonar os animais por conta do avanço tecnológico, da urbanização e da modernização dos meios de produção. Os que antes os queriam por perto apenas para explorá-los, forçando-os a realizar atividades em benefício humano, agora os consideram inúteis e os descartam nas estradas como se fossem objetos sem serventia.

Mas não são. Um objeto quebrado não sofre, não sente, não precisa se alimentar, tampouco se hidratar. Embora as diferenças entre coisas sem vida e animais sejam enormes, o tratamento dado a eles é o mesmo – por vezes, os jumentos são tratados de maneira ainda pior do que objetos.

Tanto sofrimento é exposto em dados. De janeiro a junho deste ano, o Departamento Estadual de Trânsito (Detran) resgatou 6.655 animais em estradas – cerca de 90% eram jumentos. No mesmo período do ano anterior, foram 3.267 resgates. E 6.537 em todo o ano de 2016.

Incapazes de se defender e de viver em um ambiente urbanizado, os jumentos se tornam alvos fáceis de acidentes. Nas rodovias federais que passam pelo estado do Ceará, 140 jumentos foram atropelados em 2016 e 5 pessoas morreram – o número de animais mortos não foi contabilizado. Até 26 de junho deste ano, 84 acidentes envolvendo jumentos ocorreram nas estradas do estado, culminando na morte de duas pessoas. Os dados são da Polícia Rodoviária Federal.

Na opinião do jornalista e ambientalista Eduardo Aparício, “a cultura nordestina tem uma dívida enorme com o jumento”. E, de fato, tem, já que o explorou – e ainda explora – por décadas e, em troca de tanto sofrimento em prol dos anseios humanos, esses animais receberam ingratidão, crueldade e abandono.

Parte desses animais, porém, teve um destino diferente ao ganhar a chance de viver em paz na fazenda Paula Rodrigues, em Santa Quitéria, município localizado a 222 km de Fortaleza, no Ceará. Os animais que vivem no local foram resgatados pelo Detran após serem vítimas de abandono e maus-tratos. Hoje, vivem em uma área de 500 hectares cerca de 4 mil animais, entre jumentos, cavalos, cabras, bois e ovelhas. Com exceção dos jumentos, que são rejeitados por adotantes e vivem no local até a morte, os demais costumam ser adotados ou levados da fazenda pelos tutores.

Foto: Wilson Gomes/Agência Diário

Atualmente, eles são tratados por quatro cuidadores e um veterinário. Administrador da fazenda, Raimundo Torquato contou ao G1 que um jumento costuma viver 15 anos, mas que muitos dos que são levados à propriedade são vítimas de morte precoce em decorrência de maus-tratos e acidentes em rodovias.

Além de terem o capim como base alimentar, que depende da chuva para crescer, os jumentos têm sua alimentação suplementada com milho. Há algum tempo, a fazenda Paula Rodrigues recebia ajuda da ONG francesa One Voice, que garantia a suplementação dos animais. No entanto, no início deste ano o auxílio foi cortado por falta de verba. Segundo a presidente da União Internacional Protetora dos Animais (Uipa-CE), Geuza Leitão, negociações têm sido feitas com o The Donkey Sanctuary, entidade da Inglaterra que pode vir a ajudar o local.

No entanto, embora a fazenda enfrente dificuldades, os jumentos levados para lá têm a oportunidade que esses animais não encontram em outras localidades. “Enquanto em outros estados, como no Rio Grande do Norte, há discussões para resolver o problema vendendo o animal para a China, aqui nós temos o único órgão do país que recolhe e dá condições de sustento”, afirmou Aparício, que citou ainda a proposta feita no Rio Grande do Norte para explorar os jumentos para que sejam mortos para o consumo de pessoas que estão cumprindo pena em presídios.

Separados por sexo, os machos não vivem junto com as fêmeas na fazenda para que haja controle populacional, impossibilitando a reprodução.

Santuário de jumentos

O sonho de Aparício e Geuza é promover melhorias na fazenda Paula Rodrigues e transformá-la em um santuário, com parque e museu do jumento. “Precisa de manejo, mais tratadores, pessoas que trabalhem lá dentro, um reflorestamento, mais áreas de sombreamento para os jumentos brancos que não podem pegar sol, mais plantio de capim nas margens do açude”, enumerou o ambientalista.

Foto: Silvana Tarelho/Arquivo pessoal

O santuário seria também uma homenagem póstuma ao cearense Padre Vieira (1919-2003), que sempre defendeu a espécie. Jornalista, escritor e político, Vieira chegou a publicar um livro sobre os jumentos. A obra – que serviu de inspiração para a música “Apologia ao Jumento”, de Luiz Gonzaga – foi batizada de “Jumento, Nosso Irmão”.

Os planos de Aparício envolvem um museu que serviria como modelo para iniciativas privadas, favorecendo atividades econômicas na região através do turismo. “Recebo e-mails de paulistas, de gente do Rio Grande do Sul, da Alemanha. Para eles, é um animal exótico. Seria um espaço para aliar proteção, conhecimento sobre o animal, área de pesquisas, reprodução assistida. E também de passeio, interação com a caatinga, de educação ambiental, onde o Detran fizesse campanhas sobre cuidados com animais”, explicou ao G1.

Defendidos por Geuza e Aparício, que são contra vender esses animais e o leite produzido pelas fêmeas, os jumentos são animais “especialíssimos e inteligentes”, conforme dito pelo ambientalista, que é contra o uso da palavra “jumento” como um adjetivo depreciativo.

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