A juíza carioca Rosana Navega Chagas encaminhou um pedido ao presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luís Roberto Barroso, para que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) aceite como prova um vídeo de Vânia Nunes, veterinária especialista em bem-estar animal.
O material foi divulgado durante uma audiência na Câmara de Vereadores de São Sebastião (SP), em abril de 2024, quando foi discutido um projeto de lei com objetivo de proibir o transporte de animais vivos no município.
A juíza justifica sua intervenção, que foi uma situação incomum, pelo fato de ter participado das discussões em São Sebastião, sobre o PL 02/24, no Litoral Norte de São Paulo. “Com um material tão precioso destes, de enorme profundidade técnica comprovando os maus-tratos, eu me senti no dever de enviar o material para todos os desembargadores”, explicou a magistrada.
O julgamento, marcado para esta quarta-feira (19/02), em São Paulo, tem como foco a possível proibição das exportações de animais vivos no Brasil.
A juíza ressalta que a discussão central gira em torno da existência ou não de maus-tratos aos animais durante toda a cadeia produtiva, desde o transporte terrestre até a chegada aos países importadores.
Falta de fiscalização em alto-mar
Rosana Navega destacou que, para comprovar os maus-tratos sofridos pelos animais durante o transporte marítimo, é necessário basear-se em evidências e pareceres técnicos de especialistas em bem-estar animal, uma vez que não há fiscalização em alto-mar.
A magistrada citou o livro “Oceano sem Lei”, do jornalista investigativo americano Ian Rubina, que, após cinco anos de investigações, revelou uma série de crimes cometidos em navios de carga.
“A única alternativa possível para analisar a existência ou não de maus-tratos em alto-mar é a valoração dos pareceres e informações dos veterinários especialistas em animais explorados para a produção”, afirmou a juíza.
Relatos chocantes
No vídeo, a veterinária Vânia Nunes descreve com detalhes as condições precárias enfrentadas pelos animais durante o transporte. Ela relata que, devido à superlotação e à falta de ventilação nos navios boiadeiros, os animais sofrem com o aumento da temperatura corporal, levando à redução dos níveis de oxigênio. Entre as consequências estão:
- Aumento da frequência cardíaca;
- Comprometimento das habilidades motoras;
- Coma;
- Pânico;
- Depleção (esgotamento ou restrição de oxigênio);
- Sensação de sufocamento.
Nunes alerta ainda para a formação de um ambiente cáustico e amoniacal devido ao acúmulo de fezes e urina, o que resulta em doenças e até cegueira nos animais. Ela também critica a insuficiência de veterinários a bordo para atender milhares de bovinos durante as viagens.
Especialistas condenam veementemente
A juíza ressaltou que, durante a palestra, Vânia Nunes citou renomados especialistas em comportamento animal que se posicionam contra as exportações de gado vivo por violarem as normas internacionais de bem-estar animal. Entre eles estão Mateus Paranho (UNESP), Adroaldo Zanella (USP), Carla Molento (UFPR) e Luis Pinheiro (UFSC).
“A médica veterinária afirma que as exportações desses animais descumprem as regras do Código Sanitário para os animais terrestres da OIE (Organização Internacional de Saúde Animal) e que, em todas as vistorias nos navios boiadeiros, são detectados problemas”, finalizou Rosana Navega.
Decisão histórica
A juíza pede que o vídeo com as declarações de Vânia Nunes seja submetido à apreciação dos desembargadores do TRF-3, que votarão sobre a proibição do transporte de gado vivo nesta quarta-feira. A decisão pode representar um marco na luta pelos direitos animais no Brasil, colocando o país em sintonia com as normas internacionais de bem-estar animal.
A sociedade aguarda ansiosa por uma decisão que pode mudar os rumos dessa prática no país.
Se tiver interesse em conferir a Audiência Pública que inclui a fala da Vânia, assista aqui: