O que antes era o melhor amigo do homem agora é parte da família — pelo menos em Nova York, nos Estados Unidos.
Cães são muito mais do que simples posses, decidiu um juiz do Brooklyn ao permitir que a família devastada de um adorável dachshund de fraque, chamado Duke, processasse por danos emocionais após o pequeno cão ter sido cruelmente atropelado por um motorista.
Nan DeBlase, que passeava com o cachorro de seu filho, Trevor DeBlase, em 4 de julho de 2023, tem direito a indenização porque ficou traumatizada ao testemunhar o cãozinho indefeso de 4 anos ser esmagado, afirmou o juiz da Suprema Corte Aaron Maslow.
“É razoável que um júri conclua que testemunhar Duke sendo esmagado causou um sofrimento emocional que vai além do que geralmente se sente com a perda de uma propriedade comum”, escreveu Maslow em sua decisão polêmica na terça-feira.
“Esta Corte não vê razão para que um animal doméstico amado não possa ser considerado ‘família imediata’ no contexto da doutrina da ‘zona de perigo’, diante dos fatos apresentados pelos autores da ação.”
Quase exatamente dois anos atrás, Nan passeava com Duke no bairro de Mill Basin quando um motorista descontrolado ignorou uma placa de pare, atingindo o vira-lata, que estava na coleira, enquanto Nan pulava para escapar.
“Foi muito traumático, extremamente”, disse Nan, de 66 anos, ao The Post. “Fiquei histérica quando aconteceu.”
A morte prematura de Duke — poucos meses depois de ele “casar” Trevor, vestindo um fraque elegante — foi filmada e mostra como Nan esperou pacientemente que um carro passasse antes de atravessar a rua.
“Algumas horas atrás, um homem ignorou uma placa de pare, quase atropelou minha mãe e matou meu querido Duke”, escreveu DeBlase em seu Instagram em 4 de julho de 2023.
“Nem acredito que estou digitando estas palavras”, dizia a postagem. “Eu amava esse cachorro mais do que a vida, e as coisas nunca serão as mesmas sem ele.”
Desafiando uma lei ultrapassada — e vencendo
Um mês depois, a família DeBlase processou, contestando uma lei “antiquada” que permitia apenas que Trevor processasse o motorista Mitchell Hill pelo valor de mercado do cão (além dos custos veterinários) — cerca de US$ 2 mil.
E a dupla mãe e filho venceu — em grande parte. O juiz concedeu a Nan o direito à indenização por danos emocionais, pois ela estava presente e Duke estava na coleira, mas negou o pedido de Trevor, que não estava no local.
“Como Nan DeBlase estava presa a Duke no momento do acidente”, diz a decisão, “é justo que ela receba indenização pelo trauma de testemunhar a morte de Duke e pelo medo por sua própria segurança, tudo causado pela negligência — ou mesmo imprudência — do réu ao dirigir.”
Embora a decisão amplie a definição legal de “família”, o juiz limitou sua aplicação a casos em que a pessoa está passeando com um cão na coleira, vê um motorista negligente matar seu animal e quase a atropela também.
“Eu dei um passo para fugir desse monstro, que não só ignorou a placa de pare como também fazia uma curva”, lembrou Nan. “Se você não vê a placa, como vê as pessoas? Era como se ele estivesse dirigindo de olhos fechados — e ainda assim conseguiu virar. Não entendo.”
Ela chamou a decisão de Maslow de “tardia” em Nova York. No Tennessee, tutores de cães também podem processar por até US$ 5 mil em danos não materiais se seu animal doméstico for morto ou gravemente ferido — mas o incidente deve ocorrer em sua propriedade.
“Essas coisas deveriam ter mudado há muito tempo — e não só em Nova York, mas em todos os estados”, disse ela.
Trevor agora tem outro dachshund, Cooper, mas a morte de Duke ainda os afeta “horrivelmente”.
“Eles sentem muita falta do Duke”, disse Nan ao The Post. “Têm um pequeno altar em casa dedicado a ele.”
“Não dá para preencher esse vazio”, disse Nan, que também adotou um poodle chamado Cashew. “Mas podemos tentar.”
Como a “zona de perigo” entrou no caso
O argumento da família DeBlase baseou-se no conceito legal de “zona de perigo”, que limita indenizações por danos emocionais a parentes que estavam em risco quando seu ente querido morreu.
Hill e seu advogado, que não apresentaram “nenhuma prova contrária” nas audiências, segundo o juiz, não responderam a pedidos de comentário. O juiz considerou o motorista culpado em várias frentes: ele ignorou a placa de pare, não usou seta e não olhou antes de virar.
Em uma decisão que mostrou que Maslow levou a sério o vínculo entre cães e humanos, ele pediu que grupos externos se manifestassem — e, surpreendentemente, várias entidades defenderam o motorista.
Segundo grupos como a Sociedade Veterinária de Nova York e o American Kennel Club, uma decisão favorável à família DeBlase criaria responsabilidades excessivas para o setor de animais domésticos e aumentaria custos.
Mas Maslow rejeitou esse argumento, chamando-o de “exagerado”.
Ele escreveu que “faz sentido considerar animais domésticos, como Duke, como ‘família imediata’, diante das mudanças nas normas sociais”.
A decisão se limita a cães, devido à exigência da coleira, já que “poucas pessoas passeiam com gatos, coelhos ou outros animais domésticos não caninos presos”, explicou.
Grupos de direitos animais que apoiaram a família comemoraram a decisão.
“Animais não são ‘coisas’; são seres sencientes”, disse Nora Marino, da Legal Action Network for Animals. “Os tribunais precisam reconhecer isso. Esta decisão foi um grande passo.”
“Duke não era uma ‘coisa’ perante a lei”, disse Christopher Berry, do Nonhuman Rights Project. “Ele era parte da família.”
Trevor não comentou, mas seu advogado disse que a família está “grata pela decisão, que lhes permitirá obter justiça.”
Casos similares já surgiram em Nova York
O caso certamente passará por revisão judicial — pois as “mudanças nas normas sociais” citadas por Maslow já chegaram ao tribunal estadual antes.
O juiz Rowan Wilson foi um dos dois magistrados que discordaram no famoso caso da elefanta Happy, em 2022, quando a corte rejeitou um processo por direitos humanos em nome do animal, que vivia no Bronx Zoo.
No ano seguinte, Wilson foi confirmado como juiz-chefe do tribunal.
Para Nan, que ainda vive o trauma diariamente, a esquina onde Duke morreu fica perto de sua casa.
“É muito difícil para mim”, ela diz, ao ver motoristas ainda ignorando a placa.
“Prestem atenção — parem de se distrair”, desabafa. “É muito triste.”
Traduzido de New York Post.