Sempre que pode, Gabriel Brutti, 26 anos, pega sua câmera fotográfica, binóculo, caderninho, caneta, celular, gravador e uma caixinha de som e vai desbravar alguma região de floresta no entorno de Santa Rosa, noroeste do RS. Em suas andanças, realizadas desde 2015, já fotografou e catalogou mais de 270 aves — um registro local inédito.
Para visualizar os pássaros, o jovem biólogo tem algumas estratégias. Normalmente, em suas saídas de campo, permanece horas no meio do mato, em silêncio, ouvindo o canto das aves. Durante a visita da reportagem de GZH a Santa Rosa, Gabriel levou a equipe para uma área conhecida como Rincão dos Souza, de 80 hectares de floresta preservada. Em poucos segundos ouvindo, já citou algumas espécies presentes:
— Cardeal-vermelho, tico-tico, caturrita, cajado… cachorro — completou, rindo do latido de um vira-lata caramelo que acompanhava o grupo.
Era um dia no final de outubro com sol e temperaturas que prometiam ficar acima dos 30 graus ao longo da tarde. A primavera é o período reprodutivo da maioria das espécies de aves. O biólogo aproveita — procurando parceiros, os pássaros são mais facilmente atraídos pelos sons dos cantos que o jovem faz tocar em sua caixinha de som.
— A gente costuma usar o playback. Ouvimos o canto de uma ave e reproduzimos aquele som. Aí, ela vai se aproximando — explica Gabriel.
A estratégia funciona. Uma gralha-picaça e um surucuá, por exemplo, ficaram curiosos e foram, aos poucos, rumando para árvores mais próximas, até chegarem a ângulos nos quais puderam ser fotografadas por Gabriel e pelo fotógrafo de GZH, Jonathan Heckler.
Durante a saída de campo, uma nova espécie foi identificada pelo o biólogo: uma marianinha-amarela. Tímida, ficou de costas para os fotógrafos, mas, mesmo assim, o registro em imagem foi feito. Para além das aves, o olho atento ao topo das árvores rendeu mais uma surpresa: um relance de um gato-maracajá, animal semelhante a uma jaguatirica e um pouco maior do que um gato doméstico, que animou Gabriel, que nunca tinha visto a espécie por ali.
O biólogo decidiu começar a fazer a observação de pássaros em 2015, quando morou brevemente em São Paulo e lá conheceu um grupo que se reunia para realizar esse tipo de registro. De volta a Santa Rosa, procurou informações sobre quais aves existiam atualmente na região e descobriu que havia poucas informações do tipo e nenhum clube de observação dos animais. Por isso, mobilizou amigos para fazer saídas de campo e aproveitou a estrutura do Instituto Federal Farroupilha (IFFar), onde cursava técnico em Meio Ambiente e, depois, graduação em Ciências Biológicas, para difundir a prática e o conhecimento originado dela.
No IFFar, a maior apoiadora de Gabriel foi a professora Michele Santa Catarina Brodt, que atua na área de ecologia de aves. Durante o técnico e a graduação, desenvolveram quatro projetos de iniciação científica, entre eles, estudos com poleiros artificiais, sobre o consumo de frutos da espécie psychotria e sobre os hábitos da coruja-listrada. Para este último, o jovem acampou semanalmente, durante um ano, na região onde a ave é encontrada, já que o animal tem hábitos noturnos.
— Sempre foi assim. Isso é muito dele, ele veste a camiseta e faz aquilo com muita paixão — comenta Michele, que diz sempre tentar auxiliar da melhor forma possível na área técnica, aliando os objetivos do aluno com o que era possível de ser feito.
No IFFar, os projetos de iniciação científica sempre são vinculados a estudantes, ainda que nem todas as ideias partam de alunos. Também há projetos de extensão, como a Sala Verde, na qual assuntos relacionados ao meio ambiente são levados para escolas públicas de Santa Rosa. Hoje, já formado, Gabriel faz o mesmo em um colégio particular onde dá aulas.
Conforme Michele, a prática de observação de pássaros é difundida mundialmente, mas ainda não é tão comum no Brasil. Muitas vezes, esse hábito é mantido por pessoas que não são profissionais de áreas como ecologia e biologia — o que não significa que o conhecimento surgido disso não seja importante.
— É um conhecimento bem básico saber onde cada espécie ocorre. Isso é ciência cidadã, conhecimentos que a população traz e coloca em sites como o eBird e o Wiki Aves, em listas de nomes e fotos. Tudo isso ajuda, depois, cientistas a fazerem suas pesquisas — destaca a docente.
Amor pelos bichos
O amor de Gabriel pela natureza vem de muito antes da passagem pelo IFFar. Quando criança, sua família morava em uma chácara no interior. De início, ia para o mato caçar. A virada de chave foi quando seu pai acidentalmente machucou o
filhote de uma coruja-buraqueira, enquanto arava uma terra.
— Meu pai trouxe o filhote pra gente cuidar. A gente começou a cuidar e esse amor foi crescendo, sabe? Comecei a ter essa percepção diferente. Pensei: poxa, eu sou bastante da natureza, de bicho. Por que eu vou caçar e prender? Quero fazer alguma coisa pelos bichos — lembra o jovem.
Foi crescendo e conhecendo mais sobre o mundo das aves que tomou forma na mente de Gabriel o que ele gostaria de fazer. O resultado foi o projeto Dispersar, que mapeia, de forma voluntária, áreas onde aves são encontradas em Santa Rosa e cidades do entorno. Alguns frutos do trabalho são atividades em escolas, a parceria com empresas, exposições fotográficas e a elaboração de um pôster com fotos e informações de alguns dos pássaros catalogados.
“A gente não preserva aquilo que a gente não conhece. Então, tentamos apresentar para as pessoas um pouco do que temos aqui, pra elas conservarem e preservarem também.”
GABRIEL BRUTTI – Biólogo
Atualmente, outras duas atividades estão sendo feitas em parceria com a Associação dos Municípios da Fronteira Oeste (Amufron): a elaboração de um guia fotográfico com o levantamento técnico das espécies de aves existentes nas 20 cidades que compõem a região e de um livro infantil com uma história que inclua espécies de pássaros típicas locais. O prazo para conclusão dos dois trabalhos é de dois anos e meio.
Para o biólogo, projetos como esses são fundamentais para despertar nas pessoas a consciência ambiental.
— É aquele velho clichê: a gente não preserva aquilo que a gente não conhece. Então, tentamos apresentar para as pessoas um pouco do que temos aqui, pra elas conservarem e preservarem também — resume Gabriel.
Para o futuro, o jovem tem muitas ideias. Atualmente, pretende fazer uma pós-graduação em Biodiversidade Animal. Depois, deve ingressar em algum mestrado. Também sonha em tornar o projeto Dispersar em uma ONG — o que, pelo visto, é só questão de tempo para acontecer.
Fonte: GZH