O ano de 2025 ainda não acabou e o número de araras-azuis-de-lear (Anodorhynchus leari) mortas eletrocutadas já chega a 45 na região do Raso da Catarina, na Bahia, o maior habitat da espécie, endêmica do Brasil, e classificada como ameaçada de extinção. Se mais mortes forem registradas até o final de dezembro, será grande a chance de que se supere o recorde de 2022, quando foram 46 óbitos – o maior desde que o Projeto Jardins da Arara de Lear, começou a documentar a tragédia em 2008.
Nos últimos dezessete anos, 184 araras-azuis-de-lear morreram após levarem choques na rede de energia, operada pela Companhia de Eletricidade da Bahia (Coelba), que pertence à Neoenergia, parte do grupo espanhol Iberdrola, e responsável pela expansão da rede elétrica no interior da Bahia, por meio do programa do governo federal “Luz para todos.”
Para reduzir a mortalidade das aves, são necessárias modificações nos postes, que incluem a inversão e o reposicionamento de isoladores elétricos, assim como o aumento da distância entre os fios e uso de cabeamento multiplexado (fios traçados e revestidos), que tendem a diminuir as chances de choques.
O Conexão Planeta entrou em contato com a Neoenergia Coelba, que enviou uma nota como resposta aos nossos questionamentos, e afirmou que “Desde 2020 foram alteradas mais de 5 mil estruturas da rede elétrica para um padrão construtivo que permite pouso seguro das aves, com maior distanciamento da fiação e alteração no posicionamento dos isoladores – que são equipamentos instalados na rede elétrica para impedir o fluxo de corrente elétrica, evitando o choque. As modificações seguem em andamento.”
Além disso, a empresa declarou que “a rede elétrica existente no Raso da Catarina foi implantada há décadas. Os casos passaram a ser identificados apenas nos últimos anos, em paralelo ao avanço do desmatamento e à consequente redução das áreas de ocorrência do licuri, principal alimento da arara-azul-de-lear, evidenciando que os impactos à espécie estão associados a fatores ambientais mais amplos, e não fomentados pela distribuidora.“
Buscamos esclarecimentos adicionais com a Neoenergia após o envio da resposta, como por exemplo, quantas estruturas elétricas exatamente existem no Raso da Catarina e quantas ainda precisam de alteração. Também perguntamos se o que a empresa está alegando é que as araras mortas por choques elétricos são vítimas de “fatores ambientais mais amplos”.
Até o momento, ainda não obtivemos retorno desses demais questionamentos.
Segundo o mais recente censo da arara-azul-de-lear, realizado em 2024, a população beira 2.500 indivíduos (em 1990, restavam apenas entre 60 e 200 aves). O Raso da Catarina, situado entre os municípios de Paulo Afonso, Rodelas e Jeremoabo, abriga 90% dessas aves em vida livre.
Além das mortes por choques elétricos, a espécie enfrenta ainda a perda de habitat e o tráfico ilegal de animais silvestres.
Qualquer morte é uma perda enorme para espécie ameaçada
Em 1o de outubro, quando registrou a morte da 180a arara-azul-de-lear desde 2008, o Projeto Jardins da Arara de Lear, que tem sede em Canudos, usou suas redes sociais para denunciar, mais uma vez, o que acontece na Caatinga baiana.
“Esse número não mostra toda a tragédia. Sabemos que existem outras mortes que não chegaram a ser registradas. A cada nova perda, fica evidente: essas mortes poderiam ser evitadas. A arara encontrada hoje morreu em um poste de energia já modificado, mas sem os ajustes necessários após a instalação”, diz a organização. “A empresa responsável tem se mostrado preocupada em discurso, mas lenta e ineficiente na prática. Pior: tenta transferir à população o dever da educação ambiental, quando, na verdade, é graças às comunidades locais que a espécie ainda resiste. São essas pessoas que vêem, cuidam e defendem seu patrimônio natural — a Arara de Lear, a Arara da Caatinga.”
Em agosto, um estudo identificou quais seriam as áreas prioritárias para reduzir as mortes das araras por eletrocussão. Essas aves, explicam pesquisadores, fazem longos voos diariamente e podem percorrer até 80 km, em busca de alimento. No final da tarde, elas sempre voltam aos seus dormitórios. Nessas idas e vindas, costumam repousar em árvores, arbustos e.… redes elétricas.
Para os autores do estudo, publicado no jornal internacional Applied Ecology, a troca de 10% dos postes de maior risco evitaria 80% das mortes.
“O principal objetivo do estudo foi apontar áreas prioritárias para mitigação, onde podem ser feitas alterações nos postes e evitar novas mortes e potenciais interrupções no fornecimento de energia. Nossas estimativas apontam um bom custo-benefício tanto para a empresa fornecedora quanto para a conservação da espécie”, afirmou Larissa Biasotto, chefe de ciência da organização BirdLife International e primeira autora do estudo, em entrevista à Agência Fapesp de Notícias.
Ela ressalta que uma das inovações do trabalho foi não usar a área de distribuição da espécie como um todo, mas a área de atividade, onde a probabilidade de eletroplessão é maior. “São nesses locais que elas passam a maior parte do dia, se alimentando, interagindo entre si e se empoleirando em postes e fios de média tensão. Por serem mais altos do que a vegetação nativa, esses pontos oferecem uma visão privilegiada do território”, diz a pesquisadora.
Fonte: Conexão Planeta