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HABITATS INTEGRADOS

Isolamento de áreas protegidas globais ameaça espécies emblemáticas como a onça-pintada

25 de outubro de 2024
Aldem Bourscheit
5 min. de leitura
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Foto: Ilustração | Freepik

Menos de 10% dos parques nacionais e de outros tipos de unidades de conservação de terras públicas e privadas estão conectados por vegetação nativa, no mundo todo.

“Foi a meta de conservação da natureza que menos avançou globalmente”, frisou Pedro da Cunha e Menezes, diretor de Áreas Protegidas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA).

O atual balanço sobre o tema, publicado há quatro anos na revista Nature, reconhece que os países vêm criando mais dessas áreas protegidas. Hoje, cerca de 16,4% das terras e águas interiores planetárias têm proteção legal, bem como 8,3% dos mares e oceanos.

Contudo, os mesmos países dão “pouca consideração” à vizinhança das unidades de conservação. “Isso ocorre apesar do fato de que a conectividade estrutural entre as áreas protegidas é fundamental num clima em mudança e é exigida por metas internacionais de conservação”, destacam os pesquisadores.

Unir áreas protegidas ajuda a evitar o isolamento e a manter a diversidade genética de animais e outros seres, tornando-os mais resistentes a mudanças ambientais, como o aumento da temperatura média global. Ele tornará corredores ecológicos e outras áreas verdes rotas de escape para inúmeras espécies. Desmatamento, fogo e caça forçam igualmente esse deslocamentos

Só no Pantanal, 1,5 milhão de ha queimaram este ano – uma área dez vezes maior que a da cidade de São Paulo (SP). “A vegetação volta rápido com a chuva, mas isso não resolve todos os problemas da biodiversidade e de processos ecológicos que podem ter sido perdidos”, avaliou Jaime Verruck, secretário de Meio Ambiente do Mato Grosso do Sul.

As metas mundiais de conservação pedem a proteção e a conexão de ao menos 30% dos ecossistemas terrestres e marinhos, abrigando a maior variedade possível de espécies.

“Mas, as unidades de conservação sozinhas não garantem a conservação da biodiversidade”, lemboru Pedro Bruzzi, superintendente-executivo da ong Fundação Pró-Natureza (Funatura).

Ponto positivo, no Brasil por volta da metade das unidades de conservação estariam conectadas de alguma maneira por vegetação natural, aponta o estudo publicado na Nature, mas a taxa despenca em biomas muito mais desmatados e fragmentados, como a Mata Atlântica e o Cerrado.

“O Cerrado tem uma posição mais difícil, que são populações bem reduzidas da espécie”, advertiu Pedro Bruzzi (Funatura). O bioma já perdeu mais da metade da vegetação que tinha e, o que resta, é engolido rapidamente pelo avanço do agronegócio.

Esse isolamento das florestas, savanas e outras regiões nativas ameaça especialmente animais que precisam de grandes áreas conservadas para viver, como a onça-pintada. O Brasil é o maior abrigo delas nas Américas, sobretudo na Amazônia e no Pantanal.

Apesar de ser o felino soberano do continente e o terceiro mais possante do planeta, atrás de tigres e leões, a destruição de florestas e outros ambientes ameaça seu futuro e a ligação de áreas protegidas, do Brasil e países vizinhos ao México e sul dos Estados Unidos.

Essa grande malha de vegetação natural conectaria, até o prazo curtíssimo de 2030, parte das regiões antes dominadas pelo animal. As estimativas científicas indicam que a pintada vive hoje na metade da área que ocupava, tomada pelo agronegócio, cidades e rodovias.

Amarrar o que resta de vegetação natural pode ser turbinado no Brasil com plantios em fazendas com menos áreas verdes do que pede a legislação. Contudo, isso segue lento na maioria dos estados. Além disso, faltam incentivos legais ou econômicos para interligar essas áreas com unidades de conservação e outras terras públicas ou privadas.

“Se não agirmos rápido, perderemos opções de conectividade em vários biomas brasileiros”, resumiu Pedro Menezes (MMA).

Áreas habitadas por onças são geralmente as mais conservadas e guardam grandes quantidades de carbono. Quando esse gás é liberado por desmatamento e fogo, reforça o aquecimento global. Isso aumenta a importância de se conservar espaços para as onças.

Diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), Bráulio Dias contou que a estratégia e plano nacionais para a biodiversidade, exigidos pelas Nações Unidas e ainda em debate no país, estimula a conectividade entre mais unidades de conservação no país. “Isso é trabalhar junto”, disse.

Trilhas expandidas

Grandes trilhas também ajudam a evitar que as unidades de conservação se tornem ilhas verdes no território nacional. Já foram estruturadas 350 no Brasil, conectando cerca de 400 dessas áreas protegidas em 500 municípios, de todos os estados.

Essas rotas já somam 10,5 mil km, mais de duas vezes a distância dos extremos norte a sul no país. Outros 15,5 mil km estão planejados.

Tudo é apoiado em portarias federais e normas de estaduais a municipais. Mão-de-obra e recursos são na maioria de voluntários, mas aos poucos os governos começaram a abrir os bolsos. Há dez editais federais rodando para ampliar a Rede Brasileira de Trilhas

Além de abrir, sinalizar e manter as rotas, também podem ser removidas plantas exóticas invasoras e replantada a vegetação natural. “As trilhas são ferramentas de proteção ambiental, como unidades de conservação lineares”, avalia Pedro Menezes (MMA).

Tanto que as trilhas brasileiras podem ser globalmente enquadradas como “outras medidas eficazes de conservação baseadas em áreas”, as OMEC. Uma proposta deve ser apresentada à Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade até o início do ano que vem, mostrou ((o))eco.

Os benefícios da expansão de vias para caminhantes e ciclistas podem ser de ecológicos a econômicos. Países europeus com redes de trilhas estão sendo repovoados por animais como ursos e lobos.

Após a implantação do Caminho de Cora Coralina, no Cerrado brasileiro, surgiram ao menos 22 novos negócios ao longo do percurso, de hospedagem, alimentação, turismo e outros serviços.

“As grandes trilhas conectam essas questões locais às globais [de conservação]”, reconheceu Thiago Beraldo, líder de um grupo especializado em turismo e áreas protegidas da União Internacional para Conservação da Natureza (UICN).

Um acordo assinado ontem (23) entre a Rede Brasileira de Trilhas e a RedParques, onde instituições públicas e privadas e especialistas promovem as áreas protegidas, abre caminhos para expandir a rede de trilhas conectadas no continente.

“A América Latina foi historicamente conectada por grandes caminhos, usados por indígenas e outros povos. Quem sabe um dia teremos novamente uma trilha entre toda a região”, projetou Thiago Beraldo.

Fonte: O Eco

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