Hoje, gostaria de abordar um tema que vejo como bastante importante, tanto para a evolução quanto para a elevação de nível do debate sobre o tráfico de animais silvestres. Na vida, a ordem natural das coisas é: aprendemos com os erros e as lições que eles nos trazem nos movem na direção do correto. Ter a percepção dos equívocos, muitas vezes, faz com que evoluamos mais rápido, deixando as ações de combate mais eficientes.
Os erros a que me refiro são algumas informações falsas que são passadas sobre a prática do tráfico de animais. Destaco três inverdades:
– 90% dos animais que são traficados morrem durante o transporte.
– Animal de cativeiro não consegue retornar para a natureza.
– O tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade ilegal do mundo.
– 90% dos animais que são traficados morrem durante o transporte.
Essa é a maior mentira contada sobre o tráfico de fauna. Depois de mais de uma década e meia trabalhando com a questão, vendo e realizando várias apreensões, posso afirmar e reafirmar que a taxa de sobrevivência dos animais é maior que 90%. Ou seja, de cada dez animais traficados, nove irão sobreviver e levar lucros aos criminosos.
Talvez morram mais animais durante os andamentos das ocorrências do que no transporte com os traficantes. As ocorrências demoram e, muitas vezes, os policiais não têm o que fazer por não existir uma logística que favoreça a sobrevivência, pois os pontos de recolhimentos dos animais são poucos e em lugares afastados.
Nenhum criminoso vai sair de um Estado, viajar até outro, receptar uma centena de animais, voltar para seu Estado de origem, ver 90 morrerem e só conseguir traficar 10. Talvez pode ter existido uma apreensão ou outra em que tenha morrido 90%, mas, com certeza, não é nem de longe a maioria. Eu pelo menos nunca vi uma mortandade tão grande. Geralmente não morrem nem 10% dos animais.
Animal de cativeiro não consegue retornar para a natureza
A desculpa preferida dos criadores de pássaros em gaiolas e criadores comerciais legalizados que adoram receber animais saudáveis dos centros de triagem e reabilitação para ficarem presos até o fim de suas vidas como matrizes, reproduzindo filhotes em pequenos recintos.
Essa falsa verdade talvez seja a que mais prejudica a fauna, pois se o animal não possui impedimentos físicos como mutilações, cegueiras ou outros problemas físicos, ele pode sim retornar para a natureza se houver uma reabilitação adequada.
O que estou destacando são afirmações passadas por biólogos, veterinários e tratadores que trabalham diretamente com reabilitação de animais silvestres. Existem indivíduos que retornaram para a vida livre depois de quase 30 anos vivendo em cativeiro. Eu, pessoalmente, defendo a tese de que todo animal apreendido deve ter, ao menos, uma chance de retorno para a natureza.
Defendo isso até para os animais “imprintados” e que estejam apegados aos seres humanos. Uma das soluções são áreas de solturas (ASA) em residências rurais isoladas. Ali, os espécimes poderão ficar na natureza e ter um contato mínimo com pessoas; somente com o residente rural. Isso permitiria manter o animal livre em seu ambiente natural, além de ir se acostumando não ter a presença frequente de humanos.
O tráfico de animais silvestres é a terceira maior atividade ilegal do mundo
Infelizmente, essa informação carece de embasamento. Onde estão os números reais disso? Diversos outros crimes movimentam muito mais dinheiro que o comércio ilegal de fauna: os contrabandos de diamantes, cigarros, bebidas e madeira, o garimpo e a extração ilegal de minérios, por exemplo.
Então, faço o seguinte questionamento: espalhar informações como essas ajudam ou ajudaram a melhorar o combate ao tráfico de animais? Não, pois ficar sensibilizando as pessoas com informações distorcidas não acrescenta nada. Fica bonitinho, mas a efetividade é zero. Pelo menos é o que vejo no meu cotidiano de trabalho, pois se fôssemos usar esse parâmetro, a terceira prioridade da Polícia Federal deveria ser combater o tráfico de animais – o que não acontece.
O tráfico de fauna deve ser combatido não por uma questão de números, mas por uma questão de defesa do direito à vida e de proteção a quem não pode se proteger.
Imaginemos, hipoteticamente, que apenas um animal em todo o mundo estivesse sofrendo algum tipo de crueldade. Ele deveria ser salvo pois sua vida tem valor e não ficar esperando os crimes que são cometidos contra ele se tornarem o terceiro mais ilegal do mundo. A pedofilia, por exemplo deve ser combatida sempre ou deveríamos esperá-la se tornar uma das maiores atividades ilegais do mundo?
O debate que venho trazer é para que exista a seguinte reflexão: inventar número não ajuda a evoluir o combate ao tráfico de animais silvestres. Os animais devem ser salvos independentemente se é cometido um crime contra um indivíduo ou contra um milhão; se o ilícito movimenta R$ 1 real ou US$ 1 bilhão.
O que ajuda são ações concretas baseadas nas verdadeiras necessidades e respeito à vida dos animais e à conservação da natureza. Isso sim deve balizar o debate: a necessidade de conservação deve ser o ponto principal, assim como a empatia e o respeito.
Fonte: Fauna News