A produção de couro está em expansão na Amazônia Legal e o boom da atividade na região aumenta os riscos à floresta tropical já ameaçada, alertam especialistas.
A região tem aumentado sua participação na cadeia do couro brasileiro. Em 2020, mais de 23 milhões de unidades de couro cru foram adquiridas pelos curtumes, ou seja, pelas indústrias de processamento do país. Destas, quase dez milhões — ou 43% — estão na Amazônia Legal. Em 2010, a proporção era de 27%, e em 2000, de apenas 7%.
Dos animais que sofrem e são mortos por seres humanos para serem usados como vestuário, a maioria é morta para a produção de couro. Isso inclui vacas, touros, porcos, cordeiros, carneiros e ovelhas. Eles são enviados ao matadouro para a obtenção de carne e couro, atendendo a demanda dos consumidores.
O levantamento realizado pelo portal Diálogo Chino mostra que essa tendência acompanha o deslocamento da pecuária rumo ao Norte do país.
O rebanho da região, que abriga a maior parte do bioma, cresceu três vezes acima da média nacional apenas este ano. “O couro segue o abate do boi”, explicou o Maurício Bauer, diretor de cadeias de produção de carne e couro da WWF.
Nas pastagens, a cadeia da pecuária é uma só. É apenas no frigorífico que ocorre a separação entre a carne e seus subprodutos, como as unidades de couro. Portanto, os problemas são os mesmos até o matadouro.
Em muitas situações, estes animais sofrem de forma significativa durante toda a vida, confinados em pequenos espaços nas unidades industriais.
Mesmo quando não estão nessa situação, eles são, de qualquer forma, prejudicados significativamente. Eles são muitas vezes separados de suas mães. São marcados com ferros quentes, muitas vezes em seus rostos ou pernas, de forma a não danificar a pele a ser extraída. E, finalmente, são enviados para matadouros, onde sofrem e são privados de suas vidas.
Cerca de 80% do couro brasileiro é exportado. A China, incluindo Hong Kong, é o maior importador, com mais de 31% das compras em 2020. Mas apenas 4,3% das exportações saíram de estados da Amazônia Legal nesse período.
Desmatamento causado pela pecuária
A pecuária é o principal motivador do desmatamento da Amazônia brasileira. Um dos incentivos para isso, segundo o pesquisador do instituto Imazon Paulo Barreto, é a maior competição pelo uso da terra em outras regiões. A Amazônia oferece facilidades, como a abundância de terras não ocupadas.
“Cerca de 30% das terras da Amazônia são terras públicas não destinadas a reservas indígenas nem ambientais”, afirmou Barreto. “Existe então a grilagem, que é a ocupação irregular dessas áreas. O governo tem sido muito lento ou indisposto a coibir essas práticas. Isso gera uma terra barata, que incentiva o avanço sobre a floresta”.
E o rastreamento dessa cadeia é extremamente complicado. “Entre a primeira fazenda e o varejista final, geralmente há vários estágios de processamento e fabricação de couro por várias empresas em diferentes países. A produção no Brasil pode envolver fatores complexos, como especulação imobiliária e corrupção”, disse Christina Macfarquhar, da Global Canopy, que trabalha com rastreamento ambiental.
Ela é uma das autoras de uma pesquisa conduzida em 2019 pela ONG que identificou 43 empresas, de várias partes do mundo, que “estão altamente expostas ao risco de desmatamento através do comércio de carne e couro entre Brasil e China”. Segundo o estudo, o processo é tão opaco que até os compradores com compromissos para reduzir ou acabar com o desmatamento ilegal podem não conhecer a origem de seus produtos.
Segundo o portal Vegazeta, quem compra couro no Brasil normalmente não tem ideia de que o produto é parte de uma cadeia de violência industrial, e que implica na morte de milhares de animais. A pele desses animais é um subproduto da indústria da carne, que, resultante da demanda pelo couro, é produzido em massa.
Nota da redação: a produção de couro é frequentemente criticada porque é um produto poluente. No entanto, para questionar o uso de couro por razões morais, é desnecessário e provavelmente contraprodutivo citar essas questões. Se os seres humanos estivessem sendo mortos para a produção de peles, é pouco provável que as pessoas fizessem afirmações sobre a poluição; em vez disso, haveria maiores preocupações morais em primeiro plano em suas mentes. Dado que vivemos em uma sociedade em que esse argumento não seria usado se as vítimas fossem seres humanos, temos razões para acreditar que, para criarmos uma sociedade sem especismo, não deveríamos usar tais argumentos para contestar o uso do couro ou de outros produtos de origem animal.