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NOVA REALIDADE

Indígenas resistem e se adaptam às mudanças climáticas para proteger a Amazônia

Em meio à seca, calor e devastação ambiental, povos originários revisitam saber ancestral e desenvolvem iniciativas sustentáveis para manter a floresta em pé e garantir a própria sobrevivência

7 de setembro de 2024
Leandro Becker, de Cacoal (RO)
23 min. de leitura
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Carina e sua mãe, Palien, mostram a árvore e as sementes de chicaba, que é um dos símbolos do povo Cinta Larga. — Foto: Jony Wagner e Maria Eloiza

Antes de coletar a chicaba, as mulheres indígenas do povo Cinta Larga cantam e dançam ao redor das árvores pedindo autorização dos espíritos da floresta amazônica. Só depois retiram sua mais valiosa matéria-prima para criar um artesanato único às margens do Rio Roosevelt, em Espigão D’Oeste, no sul do estado de Rondônia (RO). Mas, nos últimos anos, a permissão ancestral tem vindo acompanhada de sinais de alerta causados pela crise climática.

“A chicaba é uma das nossas identidades. Só que, com essa mudança de clima, a gente está perdendo ela”, conta Carina Cinta Larga. Fruto de árvore rara na região, a chicaba não é comercializada, mas sua casca tem valor ancestral. Aos 34 anos, a artesã e líder indígena diz que os indícios do clima estão cada vez mais evidentes. “Muitas vezes, a gente vai à floresta e não encontra as sementes. E, quando acha, é de outra maneira, elas não são saudáveis como antes. E aí não dá para utilizar para o artesanato”, afirma.

No território Roosevelt, o calor aumentou, a umidade diminuiu, a chuva está irregular e os incêndios são mais frequentes, o que afeta também a retirada de provimentos da floresta para o autossustento. “O nível do rio baixou e agora temos que caminhar mais para conseguir água e comida. Fizemos um reflorestamento para tentar aproximar árvores de casa, mas perdemos as mudas por causa da seca e das queimadas. As mudanças de clima estão trazendo um grande impacto”, explica Carina.

Até mesmo a sabedoria ancestral tem sido adaptada. É o caso do calendário de plantio de raízes como batata e mandioca, que não funciona mais. “Nossos anciãos tiveram que mudar a tabela. A chuva vem mais cedo ou mais tarde, não há certeza. Muitas vezes, a gente planta e perde tudo”, diz ela.

A Amazônia que muda

A nova realidade na região é o sintoma de um bioma em degradação. Só no ano passado, o desmatamento fez a Amazônia perder 1.245 hectares por dia — cerca de oito árvores por segundo. A pior seca em 125 anos aumentou a área queimada total para 10 milhões de hectares36% a mais do que em 2022 — mais um duro golpe considerando que 82,7 milhões de hectares do bioma foram queimados pelo menos uma vez entre 1985 e 2023.

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