Vi dezenas e dezenas de pratos de carne nos jantares, almoços e comemorações de final de ano, nos restaurantes, nas empresas e nas casas de amigos. Imaginei quantas carnes mais estavam sendo servidas nas ruas próximas, no bairro, nas cidades, no país, no mundo. Encontrei intelectuais, escritores, empresários, executivos, jornalistas, professores, músicos, médicos, profissionais liberais, pessoas de todos os tipos em volta das mesas lindamente decoradas, em volta das carnes. Recebi abraços e beijos carinhosos, muitas mensagens comoventes e desejei que todas aquelas pessoas boas e bem intencionadas fossem felizes e vivessem em paz. Desejei vê-las, algum dia, cuidando das vidas dos animais e da natureza, ajudando a construir e a sustentar a harmonia e o equilíbrio do nosso planeta. E pensei sobre qual seria o principal desafio para um educador se ele quisesse transformar aquele meu desejo em uma causa.
O educador começaria reunindo um grupo pequeno de também educadores e passaria a conversar sobre a história da sociedade humana e a história de cada um, que são as duas faces decisivas para a formação dos sentimentos e das emoções. Assim, todos entenderiam as circunstâncias das quais são resultantes e resgatariam as lembranças emocionais que já tinham considerado pouco importantes para os dias de hoje. Investigariam em que momento os sentimentos doces em relação aos bichinhos dos quais gostavam tanto quando eram crianças, que viviam pertos em forma de bonecos de pelúcia ou mesmo rodeando-os ao vivo, foram se distanciando deles.
Também trocariam idéias sobre o que sentem em relação ao aquecimento global e às suas vítimas imediatas como os ursos polares e as focas. Falariam sobre a exploração da mão-de-obra infantil, o significado do sofrimento dos animais nos circos, da violência nas escolas, nas ruas e nas empresas, da crise financeira e o sentimento que ela desperta e da relação deles com as novas tecnologias. Revelariam sobre o tipo de futuro que desejam para daqui a dez anos.
Depois de tudo isso, o educador pediria para que exercitassem a imaginação pensando sobre o que gostariam de realizar nos próximos doze meses. Obviamente, todos desejariam acabar com a crueldade contra os animais e interromper a destruição das florestas, das geleiras e dos rios. Mas buscariam ser realistas. Combinariam que brindariam pelas conquistas simples, como o fato de ter falado para um total de mil pessoas sobre as relações de paz entre seres humanos, os animais e a natureza, nas escolas, nas empresas e em diversos outros lugares. Gostariam de comemorar a realização de um evento sobre a violência social, na mesa e no trabalho, especialmente dedicado às pessoas que nunca tinham pensado em participar desse tipo de acontecimento. Seriam poucas as realizações, mas teriam construído uma linguagem capaz de convergir os sentimentos e de aproximar os educadores da sociedade, ao redor de uma visão apaixonante da vida e do planeta.
E isso traria conseqüências. Por exemplo, em alguns poucos anos, muitos jovens não estariam mais se divertindo causando sofrimento aos mais fracos, não estariam mais praticando bullying nas escolas, nem maltratando animais. Teriam compreendido que defender a vida é combater todas as formas de promoção de sofrimento e de morte, e que não há coisa tão cruel quanto sentir prazer em se alimentar de corpos de animais.
Após a formulação dessa visão de futuro, o educador que estaria coordenando os trabalhos ressaltaria que o principal desafio, portanto, é construir a linguagem para dialogar com as pessoas. E que não há como falar sobre costumes e atitudes sem dialogar com o mundo interior das pessoas, sem caminhar pelas emoções e pela inteligência espiritual. Ele alertaria que, pelo menos para o processo educativo, as palavras de ordem, as frases guerreiras e os debates filosóficos talvez sejam desperdícios de esforço, pois eles repercutem apenas na superfície da inteligência racional que tem como característica não fornecer sustentação para mudanças profundas no estilo e no sentido de viver.
Parei de imaginar tudo aquilo um pouco assustado com o tamanho do trabalho para transformar o meu desejo em uma causa. Mas me senti reconfortado e com energia quase de adolescente por ter visto uma luz piscando no fim do horizonte.