Um ano após as enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul, milhares de hectares de áreas verdes do estado estão deterioradas. Imagens de satélite obtidas pela Folha mostram o antes e depois da devastação nos municípios de Porto Alegre, Eldorado do Sul, Lajeado e Roca Sales.
Mais de 1,28 milhão de hectares do bioma pampa foram atingidos pelas enchentes de 2024. Desse total, 860.773 ha são de áreas de cultivo agrícola, 304.405 ha de formações campestres naturais e 143.934 ha de formações florestais, segundo dados do Mapbiomas.
As imagens mostram perdas significativas na vegetação da área metropolitana de Porto Alegre, em especial em Eldorado do Sul, um dos municípios mais comprometidos em maio de 2024.
Durante e após a enchente em Eldorado do Sul
Um dos prejuízos da devastação é o enfraquecimento do solo. Pesquisadores da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) encontraram 15.376 cicatrizes de movimentos de massa, que são marcas da movimentação do solo ou das rochas, numa área que abrange mais de 10 mil propriedades rurais no estado.
Entre as terras analisadas pelo estudo, 23,7% apresentavam ao menos duas cicatrizes e 22% tiveram três ou mais cicatrizes. Também foram identificados 2.430 trechos de estradas e rodovias comprometidas pelos movimentos de massa, sendo 238 pontos em Bento Gonçalves e 163 em Veranópolis, na Serra Gaúcha, e 144 em Roca Sales, cidade situada no Vale do Taquari, um dos locais mais afetados pela água.
Antes e depois da enchente em Roca Sales
Rualdo Menegat, professor do Instituto de Geociências da UFRGS, afirma que o solo do Rio Grande do Sul já estava muito degradado pela ocupação urbana e pelo agronegócio, o que contribuiu para um prejuízo maior. “É uma reação dominó de retroalimentação negativa”.
Segundo ele, obras de infraestrutura não são suficientes para evitar que chuvas futuras causem estragos semelhantes. “A chuva acumulada foi de 800 mm, e trabalhamos com essa ideia, mas no futuro podem vir 1.200 mm. Não sabemos o dia de amanhã. Sem a natureza, não conseguimos enfrentar essas calamidades”, afirma.
O processo de erosão causado pelas correntes também foi agravado pela quantidade de detritos carregada pelas águas. “Foram mais de 30 mil m³ de sedimentos carregados por segundo, ou 11 mil toneladas por dia, quando o normal do Guaíba [lago que banha Porto Alegre] fica entre 1.000 m³ e 2.000 m³ por segundo e 3.000 toneladas por dia”, afirma Tatiana Silva, professora da área de geociências da mesma universidade.
Além dos danos físicos, a alta quantidade de argila nos rios diminui a disponibilidade de oxigênio na água, comprometendo a fauna e flora aquática e ribeirinha.
A Prefeitura de Lajeado informou que cerca de 2.700 imóveis foram atingidos durante as enchentes de 2024 e 450 residências foram condenadas ou demolidas. O município informou que não conseguiu contar quanta vegetação foi arrastada pelas águas, mas que 435 árvores foram licenciadas para corte após a enchente.
Antes e depois da enchente em Lajeado e Estrela
No mapa que mostra a bacia do Guaíba, na capital, é possível perceber a formação de pequenas ilhas. De acordo com o professor Elírio Toldo, do Departamento de Mineralogia da UFRGS, é como se as ilhas tivessem mudado de lugar.
“Houve trechos com escavação do canal, ou seja, aumento de profundidade, e com assoreamento, que é a deposição de partículas. Onde a velocidade da água foi menor, houve a formação de novas ilhas, por causa da deposição dessas partículas”, diz.
Segundo ele, as novas ilhas ainda não foram nomeadas, mas são parte da Unidade de Conservação do Parque Estadual Delta do Jacuí.
Antes e depois da enchente em Porto Alegre
Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente do RS diz que, em março deste ano, o governo do estado lançou projeto para recuperar a flora nativa gaúcha em parceria com a empresa de celulose CMPC, a Embrapii (Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial) e a UFV (Universidade Federal de Viçosa).
O projeto visa plantar mais de seis mil mudas de 30 espécies florestais nativas. O tempo normal para que as mudas floresçam após o plantio é entre 20 e 30 anos, mas será reduzido para seis a oito anos com tecnologia desenvolvida pela UFV, segundo o governo. A técnica foi usada na recuperação ambiental de áreas atingidas pelo rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, Minas Gerais, em 2019.
Entre o mapeamento de espécies nativas, a coleta do material genético, a produção de mudas e o plantio, o projeto deve durar três anos. “O investimento é de R$ 7,5 milhões, dos quais R$ 2,86 milhões vêm da CMPC, R$ 2,34 milhões da Embrapii e R$ 2,30 milhões da UFV”, afirma a secretaria.