Uma auxiliar de educação aposentada mantém na sua casa, em Ovar, 35 gatos e 23 cães abandonados, que recolheu da rua e aos quais vem dedicando a quase totalidade da sua pensão, para lhes garantir alimento e tratamentos médicos.
Clara Maia tem 74 anos e admite que uma reforma na ordem dos 500 euros seria suficiente para a sua subsistência, mas, parcialmente paralisada e com dificuldades em caminhar, prefere prescindir da sua própria medicação do que faltar com os cuidados àqueles que trata por os seus “meninos”.
“Já sei que as pessoas dizem que eu tenho que deixar de os trazer para casa e que dizer ‘não’ quando alguém os descobriu na rua e mos traz para aqui por saber que eu vou tratar deles”, disse à Lusa. “Mas eu não consigo! Não vale a pena, porque eu não tenho coragem para virar costas e fazer de conta que não vi nada”, desabafa.
Depois de vários anos a trabalhar na antiga Escola de S. Miguel, os dias de Clara Maia são agora dedicados em exclusivo aos animais que guarda dentro de casa – como é o caso dos gatos mais frágeis e de uma cadela doente, por exemplo – ou que abriga nos vários anexos agrícolas que são típicos de uma habitação de lavoura antiga como a sua.
“Trabalho das sete da manhã até à meia-noite ou à uma”, conta. “Passo o dia a cozinhar para eles, a dar-lhes banho, a limpar os sítios onde dormem ou a dar-lhes os remédios, porque tenho uma gata que anda a comprimidos para a tensão, por exemplo, e uma cocker está com um problema mamário que precisa de operação”, acrescenta.
Essa cirurgia é uma das despesas a que Clara Maia não tem como corresponder no imediato, considerando que todos os meses gasta na farmácia cerca de 200 euros com medicamentos. “Telefono para lá e peço a uma rapariga daqui perto que mos traga, já que não consigo lá ir pelo meu pé”, explica.
Na veterinária a conta é sensivelmente a mesma e envolve custos regulares. “De cada vez que me trazem um gato, tenho que o mandar castrar ou não posso ter machos e fêmeas juntos”, realça. “Este mês já estou a dever à médica uns 150 euros, não sei como lhos hei de pagar e isto custa-me, porque, coitada, ela também tem a vida dela e isto não é justo!”, reconhece.
É por se ver envolvida “só em despesas e preocupações” que Clara Maia lamenta: “A minha cabeça está bem, mas, fisicamente, estou a ficar muito desgastada, porque já não tenho corpo que aguente isto tudo. Já não me safo sem umas senhoras que me ajudam nas limpezas e claro que, para isso, também lhes tenho que pagar 4 euros à hora e é mais esse que tenho que tirar à reforma”.
Certos vizinhos oferecem-lhe comida para os animais e outras pessoas doam-lhe areia para os gatos, mas a idosa não conta com nenhum apoio regular que lhe assegure “algum descanso do espírito”. A Junta de Freguesia de Ovar terá considerado atribuir-lhe um apoio financeiro, mas a ideia ficou-se pela intenção porque subsídios desses não podem ser dados a cidadãos particulares.
“Se eu criasse uma associação podia ter ajudas, mas como é que eu vou fazer isso na minha idade, quando já nem me consigo mexer em condições?”, questiona a ex-auxiliar de educação.
Se Clara Maia continua a acolher “uma chihuahua que era mais pulgas do que pele” e perde a concentração no ensaio do coro porque na capela “viu uma cadelinha perdida que dava pena”, a razão é só uma: “Os animais são melhores do que muitas pessoas”.
“Sempre os adorei, já os recolho há mais de 50 anos e não aguento vê-los mal”, confessa. “São de uma dedicação muito grande e, pelo que vejo dos meus meninos, sei que eles só não andam comigo ao colo porque não podem”, afiança.
*Esta notícia foi escrita, originalmente, em português europeu e foi mantida em seus padrões linguísticos e ortográficos, em respeito a nossos leitores.
Fonte: Porto Canal