Uma jaguatirica mantida em condições de cativeiro e exposta nas redes sociais como se fosse um animal doméstico virou alvo de disputa judicial no interior do Pará. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu a felina, batizada de Pituca, da fazenda de Luciene Candido, 42 anos, e Clayton Pires Cabral, 41.
Segundo o Ibama, além de ser submetida a maus-tratos, a jaguatirica foi explorada para fins comerciais e de autopromoção nas redes sociais. Luciene acumulava mais de 500 mil seguidores em plataformas como TikTok, Instagram e Facebook, publicando centenas de vídeos que mostravam Pituca dormindo em camas, senda alimentada com uma mamadeira e tratada como “um gato doméstico”.
O Ibama identificou 877 vídeos no TikTok com a jaguatirica, que somavam mais de 14,5 milhões de curtidas. No Instagram, foram 225 publicações. Em um dos vídeos, Luciene expressou o desejo de ser monetizada na plataforma, evidenciando o interesse comercial na exploração da imagem do animal.
De acordo com o Ibama, a exploração da imagem de animal silvestre mantido em cativeiro irregular configura infração ambiental grave. O superintendente do Ibama no Pará, Alex Lacerda de Souza, reforçou que a prática “representa risco à conservação da biodiversidade e ao bem-estar animal”, podendo incentivar o tráfico de animais silvestres.
O caso gerou comoção nas redes e uma campanha contra o Ibama, mas o instituto mantém sua posição baseada na legislação ambiental.
Histórico criminal
A atuação do Ibama ganha contornos ainda mais relevantes diante do histórico criminal do casal, revelado pela BBC News Brasil. Em agosto de 2021, Clayton foi preso em flagrante por crime ambiental e porte ilegal de arma durante operação da Polícia Militar no Mato Grosso. No local, foram encontrados um jacaré e dois veados campeiros mortos.
Clayton admitiu à época ter praticado caça, alegando ser “a primeira vez” e que queria “apenas alimentar a família”. O caso foi arquivado pela Justiça sem condenações, e Luciene não foi incluída no processo.
O Ibama afirma que esse histórico reforça a necessidade da apreensão da jaguatirica, já que defender o retorno do animal ao convívio do casal significaria “aceitar que ele permaneça sob a esfera de influência de uma pessoa já autuada por crimes de caça”.
Tratamento recebido por Pituca
Apesar da defesa alegar que Pituca vivia “livre” na fazenda, o Ibama comprovou que o animal passava noites dentro da casa, foi encontrado sobre um guarda-roupa e convivia rotineiramente com cães, gatos e seres humanos, o que caracteriza cativeiro.
Laudo técnico do Ibama constatou que o animal apresentava pelagem opaca, queda de pelos, infestação de pulgas, carrapatos e bicho-de-pé, além de falhas dentárias com fraturas e desgaste incompatíveis com a idade. O instituto também verificou baixo peso e comportamento excessivamente manso, “o que desconfigura totalmente com o que é esperado para a espécie”.
O órgão ambiental ressaltou que a jaguatirica foi exposta a herbicidas, viveu em contato íntimo com animais domésticos, potenciais vetores de doenças, e recebeu alimentação inadequada.
Disputa judicial e proteção animal
Luciene ingressou na Justiça pedindo a anulação das multas e a devolução do animal, mas o Ibama obteve vitória significativa em recurso que manteve a apreensão.
A desembargadora federal Ana Carolina Roman reconheceu que há “prova robusta” de captura irregular e caracterizou o uso da imagem para fins comerciais. “É fato incontroverso que a parte requerida não possuía a licença ou autorização para a posse do animal”, afirmou ela.
O Ibama mantém a jaguatirica sob cuidados temporários para exames e tratamento, devendo decidir seu destino final com base em critérios técnicos, que podem incluir soltura, reabilitação ou destinação a centro conservacionista.