Três galinhas foram maltratadas durante um ritual religioso em Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza, no Ceará. Imagens divulgadas nas redes sociais mostram as aves penduradas pelas patas e registram o momento em que um homem segura uma delas de ponta cabeça e a faz rodopiar no ar. Assustada, a ave se debate. O caso é investigado pela Polícia Civil do Ceará.
Uma testemunha relatou que o vídeo que registra os maus-tratos foi compartilhado na última quinta-feira (16) nas redes sociais por um homem que é suspeito de ser o autor do crime.
Além de submeter as aves a estresse extremo e ao risco de sofrerem algum tipo de lesão, além do desconforto físico e de possíveis dores, o homem também ridiculariza os animais e os insulta. Num primeiro momento, ao rodopiar uma das galinhas no ar, ele afirma que “o pião vai começar a rodar agora” e diz: “roda para ver quem vai ser o primeiro da sorte”.
Em seguida, a galinha começa a se debater. Além de não comover o homem, que não interrompe os maus-tratos, a reação desesperada da ave o leva a reprimir o comportamento do animal, que é insultado. “Nem comecei a rodar e já está se batendo por que vagabunda?”, esbraveja o agressor.
Por praticar um ritual de uma religião de matriz africana, o homem tem autorização legal para matar animais. A prática, denominada sacralização, foi considerada constitucional e, portanto, permitida no Brasil, em março de 2019, quando o sacrifício de animais praticados por religiões de ascendência africana foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Na época, a Suprema Corte julgou um recurso movido pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul contra uma decisão do Tribunal de Justiça do estado que liberou o sacrifício de animais por parte dessas religiões. A decisão do STF foi duramente criticada por ativistas pelos direitos animais.
Apesar de ter sido liberada pela Justiça, essa sacralização só pode ser realizada sem que ocorram excessos e crueldade. Por isso, em um acordo firmado com praticantes dessas religiões, decidiu-se que o animal deve ser morto de forma rápida e indolor.
Religiões e a crueldade animal
Embora as religiões de matriz africana sejam as únicas que admitem realizar celebrações envolvendo a matança de animais, essa prática é comum na maioria esmagadora das doutrinas, inclusive no catolicismo, que detém o maior quantidade de adeptos dentre os brasileiros – 50% da população do país é católica, segundo o Datafolha.
A Sexta-Feira Santa, o Natal e a Páscoa são eventos religiosos dos quais a maior parte da população participa todos os anos. Nessas ocasiões, milhares de animais são mortos de forma extremamente cruel após viverem vidas miseráveis. Explorados pela agropecuária, pela piscicultura e pela pesca, bois, porcos, frangos, peixes, perus e outros animais sofrem tanto quanto aqueles que são envolvidos na sacralização – ou até mais, já que em rituais a morte costuma ser mais rápida e a vida do animal menos sofrida.
Ao contrário do que se acredita o senso comum, os animais mortos em rituais de religiões de matriz africana não são descartados após os cultos, já que todos têm sua carne consumida pelos participantes. Nos eventos católicos, embora os animais não sejam oferecidos a Deus ou a qualquer santo, eles são escolhidos pela espécie por simbolizarem determinada celebração. Dessa forma, se nas religiões de matriz africana um bode é escolhido por ter relação com uma entidade, nas doutrinas cristãs um peru é escolhido por ter relação com o Natal, por exemplo.
Essas semelhanças e o fato de que todos os animais — tanto os mortos durante a sacralização ou em matadouros para depois serem consumidos em eventos cristãos — sofrem e têm o direito à vida desrespeitado provam que não é coerente criticar a sacralização envolvendo sacrifício animal enquanto se consome a carne de animais mortos para celebrações cristãs.