Na segunda-feira (16/06), de acordo com testemunhas e o boletim de ocorrência registrado no 78º DP Jardins, o homem – Enzo Gianetti, de 23 anos –, que circulava de patinete pelo local, xingou as duas crianças do casal que mora em uma barraca. Em seguida, começou a discutir com o pai delas. O g1 tenta contato com Gianetti.
Durante a discussão, o acusado disse ao imigrante e aos filhos que eles não deveriam estar ali por serem estrangeiros – e que deveriam voltar para o lugar de onde vieram. Também fazia gestos de ameaça de morte para as crianças, ainda de acordo com o boletim de ocorrência.
O pai então acionou policiais militares que faziam ronda na praça, relatando as ofensas xenofóbicas. O rapaz foi revistado e, com ele, foi encontrada uma faca. Mesmo com as denúncias, ainda de acordo com o boletim, os PMs devolveram a faca ao suspeito e o liberaram.
Cerca de uma hora mais tarde, o suspeito retornou ao local, armado com a faca, e avançou sobre o filho do casal. Para proteger a criança, a cachorra, chamada Pandora, partiu para cima do agressor e foi esfaqueada por ele, dizem as testemunhas.
O animal foi socorrido por pessoas que estavam no local e levado para a Faculdade Veterinária Anhembi Morumbi, mas não resistiu aos ferimentos.
O suspeito fugiu, e seus dados foram obtidos com a empresa que alugou o patinete que ele usava.
A PM voltou ao local, e a mãe das crianças, Daniela Ayelen Vera, registrou o boletim de ocorrência. Devido à morte da cachorra, o homem responderá pelo crime de praticar ato de abuso a animais (art. 32 da lei 9.605/98, a Lei de Crimes Ambientais).
A pena prevista é de dois a cinco anos de reclusão, multa e proibição de guarda, quando se tratar de cão ou gato.
Testemunhas
Em vídeo publicado nas redes sociais, a mãe das duas meninas – Daniela Ayelen Vera – contou que o rapaz chegou na praça onde a família vive e começou a gravar as duas crianças. No que ela disse que Enzo Gianetti não podia gravar os filhos, o rapaz iniciou uma discussão e sacou uma faca.
“Ele veio três vezes com uma faca aqui na praça nos ameaçando. Na terceira vez chegou muito perto do meu filho. Então, a cachorra que nós cuidávamos saiu em defesa da criança e esse rapaz deu uma facada na cachorra. Ela foi assistida por um morador e levada ao veterinário, mas ela não resistiu”, contou Daniela.
O aposentado José Carlos estava no momento da discussão e presenciou a agressão contra a família e a cachorra.
“Eu estava a pouca distância e vi perfeitamente. A discussão continuou quando o pai das crianças pediu para ele ir embora, e ele se levantou e correu atrás do pai em direção à [Alameda] Casa Branca com a Alameda Jaú. Foi quando foi chamado o carro de polícia, que conversou com ele. Não sei o que foi falado. Mas depois disso o menino voltou para a praça e continuou as ofensas”, contou.
“Parecia que estava tudo sossegado, mas o menino voltou de patinete e com uma faca e foi ameaçar o Juan, filho do casal. E foi para cima dele com uma faca. A Pandora, cachorrinha deles, começou a latir e ir pra cima dele. Ela defendendo o menino e nessa hora ele deu uma facada na cachorra”, narrou o aposentado.
Corrente de solidariedade
Por conta da fragilidade das crianças, os moradores do entorno da Praça Alexandre de Gusmão se uniram e resolveram ajudar a família.
Além de ajudar para que a família renovasse os documentos de estrangeiros no Brasil, eles arrecadaram cerca de R$ 1.500 para completar o dinheiro que eles precisavam para alugar um espaço e sair da rua.
“É uma família que está vivendo na rua desde abril. Nós conhecemos eles em 2023, quando chegaram no local e trabalhavam como artesãos. Eles conseguiram uma oportunidade em São Sebastião, no litoral, e viviam por lá. Mas algo deu errado que eles voltaram a viver aqui. Por conta da falta de documentação, não conseguiam alugar nada e estavam esses meses todos na rua. A gente já estava ajudando na regularização da documentação, mas esse episódio nos acendeu um alerta”, contou a professora Daniela Campos, que coordena a ajuda à família.
“Como o rapaz voltou na última madrugada ao local, a gente ficou com medo de ele fazer algo com as crianças e a família. Então, conseguimos levantar o dinheiro e nessa noite mesmo eles vão se mudar para um pequeno apartamento na Bela Vista, onde vão poder recomeçar a vida”, disse.
A família é multinacional: a mãe é argentina, a filha mais nova equatoriana, enquanto o pai e o filho mais velho são colombianos.
Os moradores que participaram da ação afirmam que ficaram encantados com a educação deles, apesar da situação difícil na rua.
“O pouco que vi me deixou muito triste. Cheguei aqui as crianças estavam chorando. A cachorra já tinha ido para o veterinário e sido esfaqueada pelo rapaz. Até falei para os policiais que essas crianças são de ouro. Nós aqui no Brasil não temos crianças que têm essa mesma educação”, contou a aposentada Claudete, que participou da arrecadação.
“São crianças encantadoras e muito educadas. Nem elas nem os pais nunca nos pediram nada. A gente ia passear na praça com os cachorros e, apesar de estarem na rua, elas sorriam e tratavam todos com muito encanto. A gente foi vendo que eles só precisavam de uma mão”, afirmou Daniela Campos.
“Na segunda ou terça eles chegaram a ir para um abrigo por causa do frio, mas não aguentaram ficar lá porque tinha percevejos e os banheiros estavam em petição de miséria de sujeira. Voltaram para a rua e aconteceu tudo isso. É uma tristeza ver uma família estruturada, que só está passando por um período difícil, estar sujeita a esses perigos na rua, sem ajuda concreta do Poder Público”, desabafou a professora.
O g1 procurou a Secretaria de Segurança Pública (SSP) para comentar as investigações do crime contra a família, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.