A relação da Holanda com o mar sempre foi uma questão de sobrevivência nacional. Cerca de um terço do território holandês está abaixo do nível do mar, e grande parte da população vive em áreas naturalmente suscetíveis a inundações. Ao longo de séculos, o país construiu uma das mais sofisticadas redes de proteção costeira do planeta, baseada em diques de concreto, barragens monumentais e sistemas hidráulicos de alta complexidade, como o consagrado complexo Delta Works.
Nos últimos anos, porém, diante do avanço do nível do mar, do aumento da intensidade das tempestades e do custo crescente de manutenção dessas estruturas, a Holanda passou a ampliar sua estratégia. Sem abandonar a engenharia pesada, o país começou a estudar e integrar soluções baseadas na natureza, avaliando como organismos vivos podem atuar como aliados na proteção do litoral. É nesse contexto que entram ostras e mexilhões, não como substitutos dos diques tradicionais, mas como parte de uma abordagem complementar.
Estratégia holandesa de proteção costeira passa a integrar soluções naturais
A mudança de abordagem está ligada ao conceito conhecido como Building with Nature, amplamente adotado por institutos de pesquisa e órgãos públicos holandeses. A proposta é simples em teoria, mas complexa na prática: utilizar processos naturais para reforçar estruturas artificiais já existentes, reduzindo impactos ambientais e aumentando a resiliência costeira.
Dentro dessa estratégia, projetos científicos analisam o papel de recifes naturais de ostras e mexilhões em áreas específicas, como o Mar de Wadden, o estuário do Escalda e zonas intermareais do litoral do Mar do Norte. Esses ambientes historicamente abrigavam extensos bancos de moluscos, que foram reduzidos ao longo do tempo por poluição, dragagens e alterações hidrodinâmicas causadas por obras humanas.
O objetivo atual não é criar “diques biológicos” no sentido literal, mas entender como a restauração desses habitats naturais pode contribuir para a redução da energia das ondas e para a estabilização dos sedimentos costeiros, funcionando como uma camada adicional de proteção.
Como recifes de ostras e mexilhões influenciam a erosão costeira
Do ponto de vista físico, bancos densos de mexilhões e ostras formam estruturas irregulares e porosas que interferem diretamente na dinâmica das ondas.
Ao atravessar esses recifes, a água perde velocidade e parte de sua energia, o que reduz a força com que as ondas atingem o litoral e as estruturas artificiais.
Estudos conduzidos por institutos holandeses de pesquisa marinha mostram que áreas protegidas por recifes naturais apresentam menor energia de onda e menor mobilização de sedimentos quando comparadas a trechos de costa totalmente expostos. Esse efeito não elimina a necessidade de diques, mas diminui o desgaste dessas estruturas, prolongando sua vida útil.
Outro aspecto relevante é a retenção natural de sedimentos. A redução da velocidade da água favorece a deposição de areia e lama, contribuindo para a estabilização do fundo marinho e para a mitigação da erosão em áreas sensíveis.
Custos da engenharia pesada impulsionam busca por soluções complementares
Manter a proteção costeira holandesa exclusivamente com obras tradicionais exige investimentos contínuos e de longo prazo. Estruturas como o Oosterscheldekering demandam inspeções constantes, manutenção especializada e reforços periódicos para acompanhar as mudanças climáticas e o aumento do nível do mar.
Nesse cenário, soluções baseadas na natureza surgem como uma forma de reduzir riscos e custos futuros, ao aliviar a pressão sobre diques e barragens.
Relatórios técnicos e análises estratégicas indicam que a integração entre infraestrutura tradicional e soluções naturais pode reduzir a necessidade de obras emergenciais, dragagens frequentes e reconstruções após eventos extremos, gerando ganhos econômicos ao longo de décadas.
Embora esses benefícios dependam de condições locais e monitoramento contínuo, a abordagem híbrida vem sendo vista como uma resposta pragmática à crescente complexidade da proteção costeira.
Benefícios ambientais reforçam a estratégia de infraestrutura viva
Além dos ganhos estruturais, ostras e mexilhões oferecem vantagens ambientais relevantes. Esses organismos são filtradores naturais altamente eficientes, removendo partículas em suspensão, excesso de algas e matéria orgânica da água.
Em áreas onde bancos naturais são restaurados, observa-se melhora na qualidade da água, aumento da transparência e recuperação de habitats marinhos.
No Mar de Wadden, por exemplo, a restauração de bancos de mexilhões está associada ao retorno de aves costeiras, peixes e invertebrados que dependem desses ambientes para alimentação e reprodução.
Esse fortalecimento dos ecossistemas torna a costa mais resiliente a eventos extremos, criando um efeito positivo que vai além da engenharia.
Holanda combina diques tradicionais e soluções baseadas na natureza
A estratégia holandesa deixa claro que diques e barragens continuam sendo a base da proteção costeira. As soluções naturais atuam como uma primeira linha de amortecimento, reduzindo a energia das ondas antes que elas atinjam as estruturas artificiais.
Essa combinação de infraestrutura cinza e infraestrutura verde tem ganhado destaque em fóruns internacionais de adaptação climática e já começa a inspirar projetos em países como Bélgica, Reino Unido e Estados Unidos. A diferença da Holanda está na integração dessas soluções ao planejamento nacional, e não em iniciativas isoladas.
O que os “diques vivos” revelam sobre o futuro da engenharia costeira
Em um cenário de aquecimento global e elevação contínua do nível do mar, depender exclusivamente de concreto e aço tende a se tornar cada vez mais caro e complexo. Ao estudar como organismos vivos podem colaborar com a engenharia, a Holanda aponta para uma mudança de paradigma na forma de proteger territórios costeiros.
Não se trata de substituir grandes obras por soluções biológicas, mas de reconhecer que a natureza pode reduzir riscos, custos e impactos quando integrada de forma inteligente ao planejamento de longo prazo.
Fonte: Click Petróleo e Gás